GOVERNO
TUCANO - BALANÇO
Alckmin expande
universidades em SP sem garantir recursos
Governo do Estado, sob o comando de Geraldo Alckmin, reduziu repasses, aumentou número de vagas e vinculou novos cursos apenas aos interesses “do mercado”.
Maurício Reimberg – Carta Maior
SÃO PAULO - A relação entre o
ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB) e as universidades estaduais paulistas foi
marcada por impasses seqüenciais. Durante a sua gestão à frente do Estado de
São Paulo (2001-2006), docentes, alunos e funcionários se organizaram para
reivindicar mais verbas à educação pública e maior transparência nos
debates sobre os rumos acadêmicos. Outra reclamação é que o governo expandiu
vagas sem aumentar os recursos financeiros.
De acordo com o professor Otaviano Helene, do Instituto de Física da USP e
ex-presidente da Adusp (Associação dos Docentes da USP), a falta de sintonia
entre as partes foi resultado da inexistência de um projeto acadêmico. “Não
há nada que seja marcadamente ‘Alckmin’ no ensino superior paulista. Ele
simplesmente continuou com a mesma política na qual os recursos estão
estagnados”.
A questão orçamentária provocou um dos maiores desgastes políticos do
mandato. No dia 7 de julho de 2005, a Assembléia Legislativa do Estado de São
Paulo (Alesp), aprovou, por unanimidade, as emendas à Lei de Diretrizes Orçamentárias
2006 (LDO 2006) que previam mais recursos vinculados à educação superior e ao
ensino técnico público do Estado.
No início de agosto, porém, o governador Geraldo Alckmin vetou a decisão dos
deputados. Durante dois meses de mobilização, as comunidades acadêmicas da
USP, Unesp, Unicamp e o Centro Paula Souza (responsável pelas Escolas Técnicas
Estaduais e Fatecs) lutaram para derrubar o veto de Alckmin, mas a restrição
foi mantida pela Alesp em 28 de setembro.
FIM DA AUTONOMIA FINANCEIRA
Alckmin alega que o aumento do repasse para as universidades significava
priorizar o ensino superior em detrimento do ensino básico e médio.
Atualmente, as estaduais recebem 9,57% do ICMS, o mesmo valor vigente em 2005.
Para Helene, o veto simbolizou a destruição da autonomia financeira das
universidades, que já ocorria desde a década de 1980. “A verdade é que
9,57% do ICMS é muito pouco para a demanda do ensino superior estadual. Um dado
a atestar isso é que mais de 95% das vagas na educação superior em São Paulo
estão no setor privado”, diz. Em 2005, USP, Unesp e Unicamp receberão R$
3,77 bilhões. O valor de 9,93% do ICMS, que estava sendo negociado,
representaria R$ 156 milhões a mais do recebido no ano passado.
Desde 1989 e de acordo com a Constituição Estadual, as universidades estaduais
têm seu orçamento assegurado por um percentual do ICMS, repassado mensalmente.
Essa situação tem conferido às universidades uma garantia de estabilidade orçamentária
e, conseqüentemente, uma efetiva possibilidade de autonomia acadêmica.
Na mesma Constituição Estadual está definido que o governo deve destinar um
total de 30% das receitas de impostos para a educação em geral. “Nossa exigência
inicial era 33% e a alteração de 9,57% para 11,6% do ICMS para as
universidades públicas paulistas. Além disso, o pedido era 2,1% do ICMS para o
Centro Paula Souza, porque eles não têm vinculação”, explica César Minto,
presidente da Adusp. Para ele, Alckmin seguiu a tendência dos governos
neoliberais em sua política educacional.
“Os governos trabalham com a idéia de desvincular recursos. Nossa luta é
contra a maré. Alckmin tinha dois terços dos deputados da Assembléia
Legislativa e nunca teve a educação como prioridade, Mas nós nem imaginávamos
ir à greve, entre agosto e setembro do ano passado", lembra. A greve
representou uma unificação das mobilizações das três universidades
estaduais para pressionar o Legislativo a aprovar o aumento de repasses.
CURSOS PARA O MERCADO
Minto defende que a discussão sobre os rumos universitários deveria ter
caminhado por um outro enfoque. “O que está em jogo é a implementação de
um novo modelo de universidade. São cursos com uma cara voltada para o mercado;
eles não estão preocupados com uma formação mais sólida”, analisa. Como
exemplo, menciona a criação da USP Leste, a primeira universidade pública da
região leste da capital paulista.
Considerada a principal realização do governo Alckmin no ensino superior, a
USP Leste está instalada em uma área de 1,25 milhão de metros quadrados junto
ao Parque Ecológico do Tietê. Suas edificações compreendem dois blocos do Módulo
Didático Inicial, o Módulo Didático Principal e o Módulo da Biblioteca, que
somam quase 33 mil metros quadrados de área construída. “Quando se propôs a
criação da USP Leste, era uma coisa que tinha tudo para agradar. Você tinha
um movimento pela instalação da USP lá. Só que não houve uma discussão
entre os professores sobre quais os cursos ideais”, observa Minto.
Para Helene, o critério de escolha dos cursos na USP Leste demonstra como a
qualidade do ensino superior foi comprometida no “sentido social” da questão.
“Em São Paulo, a gente tem falta de professor no ensino fundamental e médio.
Na USP Leste, por exemplo, as vagas abertas não foram para licenciatura. Ou
seja, se percebe o aumento de vagas pelo seu aspecto propagandístico. Se formos
hierarquizar as três áreas mais importantes - educação, saúde e tecnologia
-, elas continuam necessitando de profissionais. Por exemplo, ainda se forma um
número pequeno de engenheiros”, argumenta.
EXPANSÃO SEM DINHEIRO
A transformação da Unesp durante a gestão Alckmin foi um caso exemplar do
efeito da expansão de vagas sem verbas. Nenhuma outra universidade paulista
sentiu tanto a interferência do ex-governador. Segundo a Adunesp (Associação
dos Docentes da Unesp), de 2001 até 2006, foram abertas 1.825 vagas. Novos
cursos foram criados e, até 2006, a Unesp teve um total de 7.700 alunos
beneficiados. “A expansão foi avassaladora”, diz Milton Vieira, presidente
da Adunesp. “A USP, ao contrário da Unesp, tem uma capacidade um pouco melhor
de se estruturar quando chegam poucos recursos”, compara Vieira.
Devido ao processo de expansão, Alckmin começou a realizar um repasse à parte
do percentual fixo. Os reitores alegam que precisam dos recursos extras para
manter as novas vagas abertas desde 2001, em um programa incentivado pelo próprio
governo. A contribuição financeira, no entanto, não acompanhou a velocidade
do aumento das vagas. “Em 2002 foi aprovado uma verba à parte realista, eram
29 milhões reais. Esse valou sofreu uma forte redução. Em 2003, a quantia
caiu para 20 milhões, em 2004 chegou a 12 milhões e em 2005 eram apenas 7 milhões”.
No planejamento para 2006, Alckmin excluiu a Unesp dos repasses extras. A
universidade, no entanto, conseguiu reverter a decisão através de audiências
públicas das comissões de finanças e orçamento da Assembléia, além de
emendas dos deputados e partidos políticos. A cifra atual é de 10 milhões,
mais 6 milhões contingenciados. A reitoria da Unesp estima em torno de 30 milhões
de reais anuais o valor gasto com a manutenção da expansão. No total, foram
criadas 5512 vagas, distribuídas entre USP (2787), Unesp (1825) e Unicamp
(900).
“O discurso do governo era: ‘Nós só vamos liberar recursos com a criação
de novas vagas’. Só que não está tendo financiamento para a manutenção da
expansão. Alckmin desvincula a obrigação do Estado”, explica Vieira.
AS CONTAS NÃO FECHAM
A partir de 2000, surgiu o debate de incorporação da Famema (Faculdade de
Medicina de Marília) e da Famerp (Faculdade de Medicina de São José do Rio
Preto) à Unesp. A promessa do governo era que, se ocorresse a incorporação,
haveria aumento do percentual. “São faculdades isoladas, que não se sentiam
com segurança orçamentária, e queriam manter um vínculo com o nome Unesp”,
fala Vieira. A destinação de verbas para essas faculdades aparece apenas na
Lei Orçamentária (LO), motivo da insegurança generalizada na comunidade acadêmica
da Famema e da Famerp, pois todo ano a verba corre o risco de diminuir. Alckmin
pressionou para a incorporação se concretizar antes do término do mandato.
“Não dá para discutir essa incorporação sem um financiamento público. Se
não tiver aumento, dificilmente a incorporação acontece”, adverte Vieira.
Ele lembra ainda que o aumento teria que ser aprovado na Assembléia Legislativa
e a maioria da bancada, controlada por Alckmin, não queria o aumento de vinculação
do percentual. “Nesse momento eleitoral é tudo mais complicado”.
Alckmin argumentava que a incorporação era uma outra forma de expansão. “Não
é verdade. Essas faculdades já são estadualizadas”, rebate Vieira. Em março
deste ano, durante a última semana de governo, Alckmin voltou a pressionar a
universidade com uma minuta, garantindo que viria um aumento do percentual do
ICMS.
A Unesp não fechou as contas em 2005. O recebimento do décimo-terceiro salário
dos professores foi adiado para janeiro deste ano. No entanto, a universidade
preferiu não tomar uma decisão oficial sobre a incorporação.