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Reitores x governo

Universidades contam com Justiça na defesa da autonomia

por Daniel Roncaglia

O governador de São Paulo, José Serra (PSDB), não deve conseguir na Justiça autorização para levar adiante o plano de subordinar a execução financeira das universidades estaduais paulistas (USP, Unicamp e Unesp) ao Sistema Integrado de Administração Financeira do Estado e dos Municípios de São Paulo (Siafem). Decisão do Supremo Tribunal Federal no julgamento de Recurso Extraordinário, em 1979 estabeleceu precedente que dá razão às universidades, contrárias ao projeto.

Em reuniões das secretarias do Planejamento e da Fazenda com as universidades, a medida para incluir no Siafem o orçamento foi tratada com uma mera mudança de rotina, que não necessitaria de processos formais.

Atualmente, os dados orçamentários já estão no banco de dados do sistema, como contabilidade, mas não para controle financeiro prévio. Isto significa que o governador pode acessar mensalmente de seu terminal os gastos feitos. Rotineiramente as reitorias também prestam contas ao Tribunal de Contas do Estado.

Se sua execução financeira for integrada ao sistema, criado em 1996, as universidades dependerão de autorização prévia do governo estadual sempre que quiserem remanejar itens orçamentários. As universidades aceitam informar diariamente seus gastos ao governo no Siafem, mas não querem ter que pedir autorização do governo para manejar o seu orçamento.

O secretário do Planejamento, Francisco Vidal Luna, chegou a declarar publicamente que já poderia controlar os recursos das universidades, apesar de o governo afirmar que não usará a prerrogativa do veto.

O argumento das universidades é que a mudança restringiria a autonomia universitária, prevista pela Reforma Universitária (Lei 5.540/1968). A lei foi recepcionada pela Constituição de 1988 e regulamentada por decreto em São Paulo, em 1989.

No Siafem, por exemplo, um recurso que estaria planejado para ser usado como custeio não poderia ser destinado para investimento. A subordinação obrigaria que os recursos das universidades ficassem na mesma conta do Estado, o que impediria que elas usassem o dinheiro para investimento financeiro.

O problema é que mesmo sem controlar efetivamente o orçamento, só o fato de ter que autorizar o remanejamento dos recursos vai contra um acórdão de 1979 do STF, em um processo que teve início em 1974 com um mandado de segurança da USP contra o governo de São Paulo. Na oportunidade, o Supremo deu decisão favorável, por unanimidade, pela autonomia da USP.

No Recurso Extraordinário 83.962-3, o então ministro Pedro Soares Muñoz, destacou as seguintes palavras do jurista Caio Tácito em seu relato: “subordinar cada uma dessas mutações internas das despesas de custeio à aprovação do Governador do Estado, como decorrerá da exegese esposada pelo Tribunal de Contas do Estado, é condenar a USP a uma subordinação intolerável, jungindo-a em atos comezinhos de sua economia ao alvedrio do Poder Executivo. Será a mutilação ou a castração de sua autonomia, despojando-a de uma qualidade indispensável ao regular o eficaz funcionamento da Universidade, ao arrepio da lei e do sistema federal do ensino superior”.

A súmula do acórdão diz também que no caso da USP, “o controle financeiro se faz ‘a posteriori’, através da tomada de contas e inspeções contábeis”.

O artigo 207 da Constituição afirma que “as universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”.

Na interpretação de Ana Cândida de Cunha Ferraz, no artigo Autonomia universitária na Constituição de 1988, publicado na revista Direito Administrativo de 1999 (bancada pelo próprio governo do Estado), a autonomia não deve ser entendida como fim mas também como meio, incluindo a prática dos atos administrativos. "Consiste a autonomia administrativa universitária no poder de autodeterminação e autonormação relativos à organização e funcionamento de seus serviços e patrimônio próprios, inclusive no que diz respeito ao pessoal que deva prestá-los, e à prática de todos os atos de natureza administrativa inerentes a tais atribuições e necessários à sua própria vida e desenvolvimento. Tais poderes deverão ser exercidos sem ingerência de poderes estranhos à universidade ou subordinação hierárquica a outros entes políticos ou administrativos. Consiste, pois, na autonomia de meios para que a universidade possa cumprir sua autonomia de fins”.

Serra X Universidades

A briga das universidades com o governo estadual começou logo no início da nova gestão. O governo não repassou integralmente o previsto com a arrecadação do ICMS de 2006 e ainda contingenciou 15% dos recursos de custeio deste ano. O que gerou descontentamento dos reitores e da comunidade universitária. Antes mesmo do inicio das aulas, nos corredores das faculdades, professores, alunos e servidores já falam na possibilidade de mais uma greve este ano.

Em nota de protesto pelo contingenciamento, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) lembrou que política orçamentária das universidades públicas é exemplo para o governo federal e para outros estados. “O recente projeto de Reforma do Ensino Superior preparado pelo Governo Federal buscou no bom exemplo paulista inspiração para consolidar o preceito constitucional de autonomia ao estabelecer subvinculação de recursos orçamentários para as universidades federais”.

Devido às duas ações do governo, em janeiro, em uma das rubricas orçamentárias a USP teve um contingenciamento de R$ 11,5 milhões e na Unesp a redução foi deR$ 10,3 milhões. Já a Unicamp recebeu R$ 5,5 milhões a menos. O secretário de Ensino Superior, José Aristodemo Pinotti, disse que o contigenciamento é pequeno e que irá reverter a situação assim que a Lei Orçamentária for aprovada pela Assembléia Legislativa do estado.

Leia a Súmula do Acórdão

Súmula do acórdão

Recurso Extraordinário 83962 / SP – São Paulo

Relator: Ministro Pedro Soares Muñoz

Julgamento: 17/04/1979

Órgão Julgador: Primeiro Turma

Publicação

DJ 04-05-1979 PP-03519

Ement Vol-01130-02 PP-00452

Rtj Vol-00094-03 PP-01130

Ementa

Autonomia Universitária. Aprovação prévia, pelo governador do Estado, do orçamento da Universidade de São Paulo. Exigência do Tribunal de Contas com base em legislação estadual. Sua não validade em face do art. 3 da Lei Federal N. 5.540/68, que atribui autonomia financeira as universidades. O controle financeiro se faz “a posteriori” através da tomada de contas e das inspeções contábeis.

Indexação

CT0566

Matéria Financeira e orçamentária

Universidade Estadual

Autonomia Universitária

Legislação

Leg-Fed Emc-000001

Ano-1969 Art-00008 Par Único Let-G

Art-00119 Inc-00003 Let-A

Art-00119 Inc-00003 Let-C

CF-1969 Constituição Federal

Leg-Fed Rgi Ano-1970 Art-00308

Ristf-1970 Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal

Leg-Fed Lei-005540

Ano-1968 Art-00003

Art-00004 Par-Único

Leg-Est Ces Ano-1967 Art-00132

Leg-Est Del-000007 Ano-1969

Art-00003 Inc-00002 Art-00015

Inc-00002 Art-00030

Leg-Est Est Art-00011 Par-00002

Universidade de São Paulo

Observação

Votação: Unânime. Resultado: Conhecido e Provido.

Veja RP-796, RTJ-56/412.

REC.

ano: 1979 aud:02-05-1979

Revista Consultor Jurídico, 9 de fevereiro de 2007