Quarta-feira, 06 de abril de 2007

ESPAÇO ABERTO
Autonomia - do princípio aos resultados

José Tadeu Jorge

O debate que se travou recentemente em torno da autonomia de gestão das três universidades públicas paulistas - USP, Unicamp e Unesp, responsáveis por metade da produção científica do País - teve o mérito de pôr em evidência as particularidades desse estatuto e sugere um balanço dos 18 anos de sua vigência, completados em fevereiro do presente ano.

Com efeito, desde 1989 as universidades estaduais paulistas funcionam baseadas em um processo de gestão autônoma, princípio consagrado na Constituição Federal promulgada em 1988, mais precisamente em seu artigo 207. A sistemática instalada no Estado de São Paulo garante um porcentual de recursos provenientes da arrecadação de ICMS, cabendo às universidades executar o orçamento de acordo com o planejamento e os projetos definidos por seus órgãos colegiados, sem restrições burocráticas ou políticas, submetendo suas ações à fiscalização do Tribunal de Contas do Estado. Inicialmente, foram destinados 8,4% para as três universidades, valor que foi aumentado em 1992 para 9% e em 1995 para 9,57%, índice que desde então se mantém.

A pedra de toque da autonomia foi incorporar conceitos de gestão que antes eram impossíveis de serem aplicados nas universidades, dada sua dependência umbilical do controle centralizado e da política de liberações financeiras em conta-gotas. E seu escopo, arrojado para a época e ainda hoje singular no País, foi permitir que as universidades se auto-administrassem, tendo como parâmetros o comportamento da economia, a escolha de prioridades e, principalmente, a responsabilidade no uso dos recursos públicos.

Graças a essa nova configuração, os indicadores apresentados pelas estaduais paulistas são muito significativos. Eles expressam uma evolução muito acima do crescimento do orçamento das universidades em termos reais, o que demonstra de forma inequívoca a eficiência e a seriedade no uso do dinheiro público. Utilizando a Unicamp como exemplo e ressaltando que USP e Unesp apresentam resultados semelhantes, ao longo do período de autonomia o número de vagas oferecidas no vestibular dobrou, as oportunidades apresentadas para ingresso na pós-graduação quase triplicaram e a oferta de cursos de educação continuada, por meio de programas de extensão, cresceu exponencialmente.

O número de teses e dissertações defendidas em 2005 foi 280% maior que no ano inicial da autonomia. Enquanto o número de docentes diminuiu 18%, produzem-se hoje sete vezes mais artigos científicos do que em 1989. São sintomas de uma pesquisa muitíssimo mais vigorosa que antes e muito mais apta a gerar conhecimento novo, o que certamente explica por que, desde há alguns anos, as universidades estaduais paulistas aparecem sistematicamente bem posicionadas nas classificações internacionais.

Não raro esse conhecimento se transforma em produto ou em processo para o setor industrial, contribuindo para o desenvolvimento da região, do Estado e do País pela geração de riqueza, emprego e renda. Como conseqüência direta da autonomia, a Unicamp tornou-se a principal geradora de patentes do País - com um volume crescente de licenciamentos, ou seja, de conhecimento transformado em benefício da sociedade -, ampliando sua capacidade de estabelecer parcerias estratégicas e de contribuir para a modernização tanto do setor privado quanto do público. Não é por acaso que, como constatou ainda há pouco uma revista semanal, “a região em torno da Universidade Estadual de Campinas, no interior paulista, tornou-se o principal pólo de inovação tecnológica do País” (Revista Veja, 17/1).

Mais que isso, ao longo desses anos as três universidades assumiram tarefas que vão além das suas obrigações, mas se inserem no caráter público de seus objetivos. O exemplo mais marcante está na área da saúde, em que - tomando a peito a difícil situação da saúde brasileira - arcam com o desafio ciclópico de gerir complexos hospitalares muito maiores do que suas necessidades de infra-estrutura para formar profissionais nos níveis de graduação e pós-graduação. Só a Unicamp tem quatro hospitais sob sua responsabilidade, um dos quais - o Hospital Estadual de Sumaré -, fruto de um contrato de gestão com a Secretaria Estadual de Saúde, saiu do zero para transformar-se, em apenas seis anos, num dos melhores hospitais públicos do País, segundo avaliação do Ministério da Saúde.

É pouco provável que algum outro setor da administração pública possa apresentar, em período igual, resultados tão expressivos e relevantes, tanto do ponto de vista quantitativo como do qualitativo. Bem por isso, o modelo da autonomia paulista virou referência em todo o País e suas três universidades públicas se tornaram um exemplo de vinculação real com a sociedade, de compromisso com os problemas sociais e com a lisura no trato do bem público. Elas podem demonstrar isso por meio dos indicadores físicos de qualidade e de produtividade, que alcançam, além do ensino, da pesquisa e da transferência de conhecimento científico, a produção e a disponibilização de cultura em todas as suas formas.

Dificilmente um tal desempenho seria possível, com tamanha intensidade e qualidade, no antigo regime de dependência orçamentária e sob o controle do caixa único da administração direta. Com a vinculação de recursos e a possibilidade de remanejá-los livremente, essas universidades passaram a fazer políticas públicas muito mais pertinentes que antes, de um lado, por se acharem próximas das demandas e necessidades sociais de suas regiões, de outro, por terem o poder de incluí-las nos projetos definidos por seus programas de planejamento estratégico.

José Tadeu Jorge, reitor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), é presidente do Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas (Cruesp).