Segunda-feira, 02 de julho de 2007

VIDA&
'É um absurdo ter universidade federal: tem de estadualizar'

José Aristodemo Pinotti: secretário estadual de Ensino Superior

Secretário, que disse não se sentir desgastado com a ocupação da USP, acha que a União gerencia mal as instituições federais

Renata Cafardo

Pivô da crise na Universidade de São Paulo (USP), que durou 50 dias, a nova Secretaria Estadual de Educação Superior tenta entrar numa rotina que, até agora, praticamente não existiu. O prédio em Santa Cecília, no centro da cidade, que abrigava a Secretaria de Turismo no governo anterior, ainda tem salas vazias à espera de educadores. “Algumas coisas ficaram mais lentas. Mas não acho que tenha parado nada. O que tinha de ocorrer, ocorreu”, diz o secretário José Aristodemo Pinotti sobre o período em que a reitoria ficou ocupada.

Por enquanto, a secretaria criada há seis meses - a primeira no País a cuidar apenas do ensino superior - tem apenas projetos. A única idéia que já saiu do papel foi a criação de um banco de dados com as estatísticas da área no Estado, como números de alunos, professores, cursos etc.

Pinotti quer ainda alavancar o ensino de graduação a distância e financiar cursinhos para alunos carentes. Mas sua idéia mais polêmica é a criação de um sistema de ensino superior paulista, incluindo instituições públicas e privadas, incumbência que hoje cabe ao Ministério da Educação (MEC). “Eu sou favorável à estadualização das universidades federais. Acho um absurdo ter universidade federal. Como o MEC vai cuidar de uma universidade do Amazonas e de São Paulo? É algo que tem de estar no Estado.”

Para Pinotti, a resistência à secretaria tem a ver com o fato de ela ser a primeira do País. “As pessoas conservadoras sempre reagem à inovação”, disse. “O ensino está a mesma coisa há 25 anos e não melhora. Quando vem alguém fazer mudanças, reagem contra.”

Em entrevista ao Estado, Pinotti disse não se sentir enfraquecido com a ocupação da USP - ele não participou das negociações entre governo e invasores para uma saída da crise. Nem ter temido o fim de sua pasta. O decreto do governo que a instituiu levantou dúvidas sobre a autonomia da USP, Unesp e Unicamp, já que mencionava certo controle sob essas instituições estaduais.

“Uma das coisas que mais me incomodou foi me acusarem de querer destruir algo que eu ajudei a criar. Se fosse para interferir na autonomia, eu seria o primeiro a sair daqui”, diz. Ele lembra que era secretário de Estado em 1989 quando a autonomia foi concedida e esteve envolvido no debate sobre o tema na ocasião.

Como a crise da ocupação da USP atingiu a secretaria?

Não mudou nada, a secretaria de ensino superior nunca teve a intenção de dirigir as três universidades. Eu, mais do que ninguém, sabia da autonomia porque fui reitor de uma delas (Unicamp). Umas das coisas que mais me incomodou nesse período foi me acusarem de querer destruir algo que eu ajudei a criar. Eu era secretário de Saúde do governo de São Paulo quando se deu vida à autonomia. De 1989 para cá, elas mantiveram a qualidade e até melhoraram.

O senhor participou da elaboração do decreto?

Não participei da elaboração do texto. Mas nunca, ao ler o decreto, me passou pela cabeça qualquer dificuldade que pudesse causar. Durante conversas com o governador sobre a criação da secretaria, a autonomia nos tomou três segundos.

Por que foi preciso revogar artigos então?

Para deixar mais claro. A reclamação dos reitores consistia em alguns itens daquele artigo retirado, mas para deixar claro se retirou tudo.

Qual é a função da secretaria?

É lidar com a exclusão social, com a qualidade muito heterogênea do ensino superior do Estado e a baixíssima cobertura do ensino superior. Há uma enorme quantidade de universidades, sem nenhum critério de sistema em cima disso.

Mas o sistema é função do Ministério da Educação.

Ele cuida de todas elas e, por fazer isso, cuida mal. Não porque haja incompetência, mas porque a centralização é a mãe da má administração. Não pode cuidar da universidade de Manaus e do Rio Grande do Sul. A Constituição Estadual prevê a descentralização do ensino superior. Ela diz que o Estado tem autonomia para gerir seus sistemas de ensino.

Por que o senhor acha que houve tanta polêmica com relação à criação da secretaria?

Porque ela é a primeira secretaria de ensino superior do País e as pessoas conservadoras reagem à inovação. Há 25 anos que o ensino está a mesma coisa e não melhora. Quando vem alguém fazer mudança, reagem contra isso.

Quem seriam os conservadores, os estudantes da USP?

Os estudantes da USP quando entraram na reitoria nem mencionaram os decretos. Isso foi colocado na cabeça deles depois. Eles entraram pedindo mais moradia, mais comida, mais passagem de ônibus. Depois entrou PSTU (Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados), PSOL (Partido Socialismo e Liberdade), Conlutas (Coordenação Nacional de Lutas) e aí aquilo se transformou em algo político. Mas não foi de forma nenhuma o que motivou a invasão (no dia seguinte à invasão, o secretário avisou que havia se enganado e afirmou que os decretos faziam parte das reivindicações dos alunos desde o início).

Em algum momento se preocupou com o fim da secretaria?

Nunca me preocupou a extinção da secretaria e sim o que eu posso fazer. Eu não defendo a secretaria para defender meu emprego. Sempre ocupei cargos públicos para fazer algo de concreto e inovador.

Qual é o principal projeto dela?

Ter um sistema de ensino superior do Estado que possa ser ágil para resolver todos os problemas. Já contratamos um banco de dados porque não existem informações do sistema superior do Estado. Isso apesar de ter mais de 500 unidades e milhões de alunos. Outra coisa necessária é um sistema público de excelente qualidade de ensino a distância. Para permitir que o jovem trabalhado possa estudar. Estamos fazendo reuniões, visitando vários projetos desse tipo. A idéia é consorciar as universidades públicas, ter as três oferecendo os conteúdos. Podemos usar os telecentros de São Paulo como postos avançados na periferia, com aulas em telões, o que dá um caráter semipresencial.

Como se pode ajudar a melhorar o ensino nas instituições particulares?

O que pode ajudar muito é a estadualização das universidades privadas, ou seja, uma vigilância mais próxima. É preciso ter uma instância estadual para dialogar com as universidades. Sou favorável também à estadualização das universidades federais. É um absurdo ter universidade federal. Loucura. Como o MEC vai cuidar da Universidade do Amazonas e de São Paulo? É algo que tem de estar no Estado. Ou o Estado não tem capacidade? A maior prova de que temos capacidade são as três universidades estaduais.

E como seria a estadualização das privadas?

Não é tirar o caráter privado delas. É fazer da mesma forma que o Conselho Federal tenta fazer e a distância não permite. Se fosse delegado ao Conselho Estadual, a proximidade poderia ajudar a melhorar a qualidade. Você vê melhor o que está próximo de você. Poderíamos conceder autorização de cursos, de faculdades e assumir uma parte da avaliação, fazendo visitas às instituições pior avaliadas.

O senhor já conversou com o ministro Fernando Haddad sobre?

Não, nunca falei.


Quem é:

José Aristodemo Pinotti


É médico ginecologista formado pela USP, com especialização no tratamento de câncer

Nos anos 80, foi reitor da Unicamp (nomeado pelo então governador Paulo Maluf). Ficou no cargo até 1986. Também foi secretário municipal de Saúde e de Educação de São Paulo

Foi três vezes eleito deputado federal