Sábado, 14 de Julho de 2007

NOTAS E INFORMAÇÕES
Fundações estatais

Merece aplausos a decisão do governo de regulamentar, por meio de um projeto de lei complementar enviado ao Congresso, a figura jurídica da “fundação pública de direito privado”. Além de permitir a contratação de servidores por meio da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e de condicionar a continuidade no emprego à consecução de padrões mínimos de eficiência e metas de desempenho, a iniciativa abre caminho para uma reforma estrutural dos obsoletos modelos de serviços prestados pelas autarquias e para uma mudança radical na gestão do setor público.

A medida é prevista pelo artigo 37 da Constituição de 88, que estabelece as regras para a organização e o funcionamento da administração pública direta e indireta. O governo do presidente Fernando Henrique Cardoso tentou regulamentar a matéria, por ocasião da reforma administrativa realizada em 1998, quando propôs a revogação do regime único dos servidores sob forte oposição do funcionalismo, das centrais sindicais e do PT.

A medida chegou a ser aprovada pelo Congresso, mas o PT, defendendo os interesses corporativos dos servidores, alegou que houve irregularidade na votação e impetrou no Supremo Tribunal Federal (STF) uma ação de inconstitucionalidade. A corte concedeu a liminar pedida pelo partido, mantendo o regime jurídico único e proibindo a contratação de servidores com base na CLT. O julgamento definitivo do recurso, por causa da morosidade do Judiciário, até hoje está pendente. Por isso, se a corte retomar o julgamento, cassar a liminar e reconhecer a constitucionalidade das medidas aprovadas há dez anos, o projeto do governo se torna inócuo.

Ao justificar sua iniciativa, que por se tratar de lei complementar depende da maioria absoluta dos deputados (257) e dos senadores (41) para ser aprovada, o presidente Lula apresentou os mesmos argumentos apresentados pelo governo anterior. Ou seja, invocou a necessidade de se introduzir no serviço público a flexibilidade decisória da iniciativa privada em matéria de contratação e remuneração de pessoal.

Como as diferentes corporações do funcionalismo gozam das mais variadas prerrogativas funcionais, a começar pelo direito à estabilidade e à inamovibilidade, os gestores públicos não dispõem de instrumentos legais para cobrar produtividade e demitir servidores ineficientes e negligentes. As regras em vigor dificultam ao máximo o remanejamento de pessoal de um setor para outro da administração pública, conforme as prioridades de cada governo. A legislação também garante ao servidor cuja função se tornar desnecessária o direito de ficar em disponibilidade, com remuneração proporcional ao tempo de serviço, o que engessa ainda mais a administração pública.

Pelo projeto enviado ao Congresso, o governo poderá contratar servidores pela CLT em nove áreas do serviço público, das quais as mais importantes são saúde, assistência social, meio ambiente, esporte, cultura e ciência e tecnologia. Para tanto, cada área terá de criar uma fundação de direito público ou privado, conforme sua conveniência, e encaminhar uma proposta específica de regulamentação ao Legislativo, definindo o alcance de sua autonomia administrativa, gerencial e financeira.

No caso dos hospitais públicos, por exemplo, o projeto específico autorizaria o Ministério da Saúde a extinguir a estabilidade dos médicos do Sistema Único de Saúde (SUS) e a exigir dos gestores da rede hospitalar oficial o cumprimento de um número mínimo de internações, exames, cirurgias e atendimentos. O repasse dos recursos fica condicionado à eficiência e qualidade do atendimento.

Embora o Ministério da Educação tenha ficado fora do projeto enviado ao Congresso, o novo modelo abrange os hospitais vinculados às universidades federais. Além de flexibilizar as regras para contratação e demissão de pessoal de toda a rede hospitalar pública, o projeto abre caminho para a descentralização da compra de medicamentos e desburocratiza as licitações para a contratação de serviços.

Nenhuma dessas medidas é original. A novidade está no fato de que o PT, que sempre se opôs a elas quando estava na oposição, uma vez no poder votará a favor de sua aprovação, permitindo com isso a retomada da reforma do modelo de gestão do serviço público iniciada pelo governo Fernando Henrique.