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São Paulo, 20 de fevereiro de 2007Valor Econômico
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Santander e Nossa Caixa oferecem tratamento vip para reter servidorConta corrente com isenção perpétua de tarifas e cartão de crédito que devolve 2% dos gastos no supermercado e posto de gasolina? Ou um crédito de 100% do valor do imóvel e isenção de tarifas em conta até março? Parecem sonhos até de clientes de alta renda dos bancos de varejo, mas já são realidade para o grupo mais disputado de clientes bancários do país: os funcionários públicos do estado de São Paulo. É a maior folha do país depois da federal: R$ 2,28 bilhões mensais e quase 100 mil salários acima de R$ 4 mil.
A guerra entre o Santander Banespa e a Nossa Caixa pelos 650 mil clientes que passaram a receber seus salários na instituição estadual em janeiro envolveu não apenas novos produtos, mas a mobilização de batalhões de gerentes indo até as residências dos clientes, brindes elaborados para atrair os correntistas e pressões em Brasília em torno da regulamentação da conta-salário.
A médica do Estado Maria Stella Holzwarth Nunes abriu uma conta na Nossa Caixa, mas manteve sua movimentação no Banespa. "Tenho financiamento imobiliário no Banespa e um cartão que não me cobra anuidade e ainda dá descontos. Além disso não pago tarifa", diz. Em meio à confusão do fim do ano, Maria Stella gostou da iniciativa do Santander de creditar um valor equivalente ao seu salário líquido no dia 3 de janeiro. "Eu estava na praia e nem me preocupei com as contas em débito automático", diz a médica de 37 anos, casada e mãe de dois filhos. Ela só transferiu o salário recebido na Nossa Caixa quando voltou a São Paulo, na segunda quinzena do mês. Moradora da Vila Mariana, bairro de classe média na zona sul de São Paulo, Maria Stella trabalha em Moema, também na Zona Sul, e diz que prefere usar a agência do Santander, com menos filas e em frente ao seu trabalho.
A professora N., que prefere não ter o nome publicado temendo problemas na escola estadual onde trabalha, não gostou da transferência para a Nossa Caixa. Ela é funcionária também da prefeitura e usa as agências do Largo do Socorro, zona sul de São Paulo. "Não dá para entrar na agência da Caixa no Socorro, muito lotada", diz. Ela reclama de tarifas na Nossa Caixa para transferir o salário.
Maria Stella e a professora são as "clientes ideais" do vice-presidente executivo do Santander Banespa, José Paiva Ferreira, autor da estratégia de guerra para defender a carteira do banco, que começou a ser desenhada em 2003. O edital de privatização já previa a transferência em 2007.
Ainda não dá para saber quem cantará vitória. Praticamente todos os funcionários abriram contas na Nossa Caixa. O Santander diz que dos 550 mil clientes que haviam assinado termos de compromisso para ficar no banco, mais de 90% estão mantendo as contas ativas. A Nossa Caixa fala em 80% de fidelização dos 1,15 milhão de servidores públicos, incluindo no cálculo os que já eram clientes antes da migração da folha. É difícil saber em quem acreditar: os dados de consumo financeiro da clientela não são públicos.
Os espanhóis começaram a desenhar a estratégia de retenção dos funcionários públicos há três anos. No último ano e meio, lançaram um novo produto por mês para este público. A instituição reduziu taxas de juros de acordo com o segmento de funcionários (os servidores são divididos internamente em sete "coletivos", representando policiais, professores, médicos, bombeiros etc) e trouxe um benefício para o cartão de crédito comum no exterior: devolução de parte dos gastos como crédito na fatura - 2% dos gastos em supermercado e postos de gasolina.
Nos bastidores, o Santander pressionou em Brasília pela conta-salário, criada pelo Banco Central em setembro do ano passado. Logo que saiu a resolução 3402, o Santander montou uma operação logística imensa para fidelizar os correntistas e apostou todas as fichas na criação da conta-salário. Enviou pelo correio 850 mil kits para convencê-los a assinar o termo de compromisso, que resultaria no depósito direto de seus salários no Banespa. O "mimo" aos clientes, despachado pelo correio, era uma caixa de papelão vermelha com o logotipo Santander Banespa em dourado. Dentro, os documentos para assinatura, um porta-cartões e um porta-cheques em couro, saquinhos de chá de camomila e uma latinha de biscoitos amanteigados.
Dos 650 mil funcionários, 550 mil assinaram o termo. Os gerentes de conta tinham um software especial para que acompanhar as fases da transferência de sua carteira - a entrega do kit pelo correio e o retorno dos documentos assinados. Nessa fase, gerentes procuravam os clientes insistindo na adesão e informavam aos clientes que não era necessário abrir conta na Nossa Caixa.
Mas a pressão em Brasília contra a resolução cresceu. A Febraban pressionou para adiar prazos e excetuar os leilões de folha de pagamento de empresas privadas que agitaram o mercado de bancos privados ao longo do ano passado. Governadores e prefeitos, de olho na receita da venda de suas folhas, também estrilaram.
Em 22 de dezembro, o Conselho Monetário Nacional (CMN) jogou para 2012 a criação da conta-salário para funcionários públicos e abriu exceção para leilões recentes de folha. A mudança às vésperas do Natal provocou uma reviravolta dentro do Santander. O banco convocou reuniões de treinamento de gerentes até a noite do dia 29, último dia útil do ano, e imprimiu às pressas novas cartas informando a mudança de procedimentos aos clientes. "Acho que o recuo na conta-salário foi um equívoco, é preciso dar liberdade de escolha ao consumidor. Só no Brasil existe essa reserva de mercado", diz Paiva, do Santander.No Rio de Janeiro, o Santander está usando sua experiência na ponta contrária. O banco pagou em outubro R$ 351 milhões pela folha da prefeitura carioca, com 165 mil funcionários. Semanas antes do leilão, os espanhóis prepararam plano para o "day after" do leilão. Como o banco quase não tinha agências no Rio, corretores de imóveis procuraram bons pontos para instalação de acordo com pesquisas sobre a localização do funcionalismo. O banco não se identificava para evitar elevar os preços. "Fomos visitar os pontos no fim de semana, desde a zona sul do Rio até a baixada fluminense", conta Paiva.
No dia do leilão, o banco já tinha pré-contratos de aluguel assinados para 52 agências- que foram abertas em três meses, com investimento total de R$ 92 milhões. Os gerentes contataram pessoalmente 158 mil servidores. Foram contratados 800 funcionários localmente para os call centers e agências. "Muitas vezes a reforma terminava num dia e a agência abria no dia seguinte", conta Paiva. A folha da prefeitura do Rio estava distribuída em diversos bancos. O Santander mandou aos cariocas um kit parecido com o paulista para a abertura de contas. O primeiro crédito da folha foi em novembro, e o banco diz que já tem alto índice de fidelização.Mesmo com toda mobilização, Paiva nega que o Santander seja excessivamente dependente do funcionalismo. "Temos 7,5 milhões de clientes e só 650 mil servidores", diz. O vice-presidente do afirma ter condições de competir com os gigantes Itaú e Bradesco. "A concentração não é tão grande como em outros países. Os dois têm cerca de 15% do mercado e só o Banco do Brasil tem uma participação maior".
O diretor de rede da Nossa Caixa, Daniele Lunetta, usa como principal arma ofertas de refinanciamento de crédito tomado no Santander. No consignado, a Nossa Caixa oferece 1,7% por até 72 meses, enquanto a taxa no Santander é de 1,99% ao mês. Antes da migração, os funcionários já podiam optar pela Nossa Caixa se quisessem. As ofertas de crédito estão seduzindo mais clientes de cidades médias do interior, onde a estrutura de agências da Nossa Caixa é suficiente para o atendimento.
Lunetta reconhece que no primeiro mês houve filas em algumas agências, principalmente na Capital, porque muitos funcionários deixaram para abrir contas na última hora. A rede de agências na Capital também era proporcionalmente menor. "Somos um banco público e temos que seguir procedimentos licitatórios para abertura de agências, demoramos um pouco mais", diz. Algumas fontes da Nossa Caixa colocam a culpa das filas nas agências em janeiro no Santander, que teria "desinformado" os clientes e evitado a abertura de contas.
No ano passado, o banco abriu 33 novas agências e 27 postos de atendimento. Só em janeiro, foram mais 4 agências e 22 postos de atendimento.
A rede tem hoje 542 agências e 386 postos de atendimento. Para suprir a falta de rede em outros estados, a Nossa Caixa tem acordo com as redes Banco 24 Horas e verde-amarela, que reúne bancos estaduais. No último ano foram contratados 2.460 funcionários, elevando o total para 15 mil.
Lunetta evita falar mal do concorrente, mas critica o crédito feito pelo Banespa no valor do salário. "Isso confundiu muita gente, que achou ter recebido dois pagamentos quando um deles era crédito".
Na Nossa Caixa, os gerentes foram tão ativos ou até mais que os do Santander. O banco mobilizou 600 pessoas com notebooks para atendimento nos locais de trabalho ou até na residência em caso de aposentados e funcionários em licença abrindo contas. Mais de 390 agências abriram aos sábados entre agosto e novembro para abertura de contas. "Agora estamos de novo com essa equipe na rua, nos locais de trabalho, para saber dos problemas que os funcionários tiveram até agora", diz Lunetta. Muitos reclamavam de ter que ir até as agências porque não tinham recebido cartões e cheques.
Além do refinanciamento de dívida, a Nossa Caixa tem um produto inédito no mercado: financiamento imobiliário de 100% do valor do imóvel, com prestações fixas e desconto em folha. "Estamos nas listas do Procon como as menores taxas de juros do mercado em 37 meses", conta o diretor. O banco isentou os servidores de tarifa até março.
Todo esforço e investimento da Nossa Caixa seriam em vão se o governador José Serra decidisse leiloar a folha do Estado. Executivos do Santander reclamam à boca pequena do governador, que durante sua gestão na prefeitura de São Paulo leiloou a folha de pagamento rompendo um acordo anterior.
O presidente Milton Luiz Santos, diz que o Estado não vai leiloar a folha e está negociando um contrato com a Nossa Caixa. O valor que o banco pagará ainda está em negociação, e o contrato deve ser por cinco anos. "Estamos negociando um contrato refletindo o valor de mercado dos leilões de prefeituras e governos estaduais", diz. Santos prefere não revelar o valor nem os prazos de pagamento porque a Nossa Caixa tem capital aberto, mas o valor da folha transferida pelo Santander certamente superaria R$ 1 bilhão, não só pelo número de funcionários, mas também pela alta renda. Depois de resolvida a questão do contrato, a Nossa Caixa tentará fidelizar clientes desenvolvendo novos produtos e lançando uma nova campanha publicitária.
Tanto investimento dos bancos para conquistar este grupo de clientes mostra que os bancos ainda têm lucros de sobra para queimar num ambiente de maior concorrência. "Todo mundo faz conta, a rentabilidade mais que compensa o investimento", diz o vice-presidente do Santander. Os correntistas aos poucos percebem a mudança. Um metroviário que trabalha na estação Santa Cruz conta com mal disfarçado orgulho: "Outro dia veio até uma moça do Citibank me oferecer conta. Já pensou? Antes precisava ter um salário de R$ 7 mil. Agora eles estão querendo até peão como eu..."