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São Paulo, 21 de janeiro de 2008
JORNAIS

O Estado de São Paulo

Vida&
Legislação
Grupos tentam derrubar lei que "amordaça" professores
Regra dos tempos da ditadura impede que docentes falem publicamente sobre seu trabalho
Simone Iwasso

Movimentos ligados à educação estão arregaçando as mangas para tirar uma mordaça colocada há 40 anos nos professores. Para isso, promovem debates com autoridades e circulam um abaixo-assinado contra uma lei, criada na época da ditadura militar, que proíbe os funcionários públicos do Estado de São Paulo de se pronunciarem sobre sua função.

Na prática, um professor não pode dizer o que pensa do sistema onde trabalha, das condições nas quais dá aula ou mesmo falar de sua experiência pessoal como docente. Caso o faça, pode sofrer um inquérito administrativo e até ser exonerado.

A bandeira foi levantada pela organização não-governamental Ação Educativa, pelo Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp) e pelo Artigo 19, movimento voltado para promoção da liberdade de expressão no País.

"A lei vale para todo o funcionalismo, mas acreditamos que na educação esse silêncio imposto é ainda mais grave, porque o que o professor fala deve ajudar na elaboração das políticas públicas da área", explica a advogada Paula Martins, consultora do Artigo 19. "Esse depoimento de quem está na sala de aula é também importante para o monitoramento das medidas educacionais implementadas pelos governos", complementa.

O problema está no artigo 242 da Lei 10.261/68, incisos I e VI, que impede a livre expressão dos funcionários públicos pela imprensa ou qualquer outro meio de comunicação. O trecho é considerado inconstitucional pelo jurista Dalmo Dallari, que afirma que ele não pode estar acima do artigo 5º da Constituição, que garante a todo cidadão o direito à livre expressão. "O professor continua cidadão", resume Dallari. Segundo ele, São Paulo é o único Estado com uma lei tão restritiva.

"Empresário, banqueiro, cientista, economista, estudante, político, todo mundo têm direito a falar sobre a educação no País, menos o professor, que é quem está na sala de aula", aponta Carlos Ramiro de Castro, presidente da Apeoesp. Restrição que, segundo ele, tem conseqüências: "O governo elabora e aplica projetos sem consultar os professores e a comunidade", diz.

PRESSÃO

Professores que desrespeitam a legislação e dão depoimentos sem autorização acabam sofrendo diversos tipos de punição. As mais comuns podem ser repreensão das diretorias de ensino, transferência para outras escolas e abertura de processos administrativos e inquéritos, que podem ser arquivados ou terminar com a exoneração do funcionário público.

Uma professora de matemática de 39 anos, da região de Taboão da Serra, que tem medo de se identificar, conta que perdeu noites de sono por causa das ameaças de exoneração que sofreu. "Fizeram algumas mudanças no programa Escola da Família e eu dei depoimentos sobre a situação, falei com entidades da área, e a minha diretora disse que iria me exonerar por isso", disse. "Chegaram a abrir um processo contra mim, que foi arquivado porque algumas organizações ficaram sabendo e protestaram na secretaria."

Mesmo assim, ela disse que foi um período difícil e que não pretende se pronunciar mais sobre a rede ou a escola na qual trabalha. "Eles fazem isso para nos intimidar mesmo", disse.

Há 21 anos na rede, o professor de história João (nome fictício) também sofreu por ter relatado o que acontecia no trabalho. Ele teve de prestar depoimentos durante três meses e acompanhar um inquérito aberto na diretoria de ensino de sua região por ter dito ao sindicato e à imprensa que em sua escola, no Jabaquara (zona sul de São Paulo), havia classes com cerca de 50 alunos.

"Estava acontecendo uma superlotação, e não apenas na minha escola, mas em toda região. Eu falei e as conseqüências vieram", conta ele. "Primeiro a diretora da escola me chamou, depois me mandaram para a diretoria de ensino, tive de depor várias vezes, chamar testemunhas." Ele diz que teve apoio jurídico do sindicato e que, um ano depois, o processo foi arquivado.

PROJETOS

O movimento das organizações começa a surtir efeito. Na semana passada, o deputado estadual Roberto Felício (PT) apresentou um projeto de lei na Assembléia Legislativa pedindo a revogação dos incisos.

Na próxima semana, o abaixo-assinado será entregue para a Secretaria de Educação do Estado e para o relator da ONU pelo direito à Educação, Vernor Muñoz, que estará de passagem pelo País para participar de eventos na área.

As entidades querem mobilizar os setores para tentar duas ações: ou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade - que deve ser levada por um partido político ou associação de classe de âmbito nacional -, ou um mandado de segurança, instrumento jurídico que protege indivíduos de atos ilegais praticados por governantes.

O que diz a Lei

Ao funcionário é proibido:
• Referir-se depreciativamente em informação, parecer ou despacho, ou pela imprensa, ou qualquer
meio de divulgação, às autoridades constituídas e aos atos da Administração (...)
• Promover manifestações de apreço ou desapreço dentro da repartição, ou tornar-se solidário com elas