O Estado de S. Paulo, 15/01/06, página A3, Editorial

Revolução na educação
A rede escolar privada está ingressando numa nova etapa de sua história.
Pressionados pela expansão da concorrência no âmbito do ensino fundamental, os colégios tradicionais e os grupos educacionais mais fortes se inspiraram nas escolas norte-americanas e reformularam radicalmente seu conceito de responsabilidade social. Em vez de destinar uma cota de vagas para alunos carentes, elas deixaram de lado o velho assistencialismo e agora estão realizando exames com o objetivo de selecionar os melhores alunos da rede pública, cujos pais não têm condições de pagar as altas mensalidades cobradas pelas escolas particulares ou confessionais.
A seleção inclui provas em disciplinas básicas, dinâmica de grupo e avaliação do nível de maturidade e do equilíbrio emocional dos candidatos, além de entrevistas com as famílias. O envolvimento dos pais e a disciplina, a capacidade de concentração e a vontade de aprender dos estudantes selecionados são fundamentais para o sucesso dessa experiência. 'A família tem de ser sócia no projeto', afirma Ilona Becskeházy, do Instituto Social Maria Telles (Ismart). Só um dos colégios envolvidos nessa iniciativa examinou, recentemente, cerca de 1,6 mil candidatos para 150 vagas.
Em São Paulo, a experiência vem sendo realizada pelos colégios Santo Américo e Santa Cruz, que são vinculados a ordens religiosas, pelo Colégio Vera Cruz, que é laico, e pelo Grupo Objetivo, um dos maiores do País. No Rio de Janeiro, a mesma iniciativa foi adotada pelos Colégios São Bento e Santo Inácio, freqüentados por alunos oriundos da elite carioca.
E, em Minas Gerais, a estratégia foi adotada pelo Grupo Pitágoras, que tem uma rede de 500 escolas espalhadas pelo País e conta com a orientação pedagógica do economista Cláudio Moura Castro, ex-diretor da Coordenaria de Aperfeiçoamento do Pessoal de Ensino Superior (Capes), ex-consultor do BID e do Banco Mundial e um dos responsáveis pela adoção de mecanismos de avaliação escolar em países do Leste Europeu.
Escolas privadas buscam os bons alunos das escolas públicas

Esses colégios têm sido ajudados nessa empreitada por movimentos sociais e por organizações não-governamentais (ONGs), que auxiliam na escolha de alunos pobres com alto potencial de aproveitamento, e por grandes bancos e corretoras de valores, que ajudam as famílias nos gastos com transporte, alimentação e aquisição de uniformes e de material didático. Essa cooperação entre a iniciativa privada do setor educacional, ordens religiosas, ONGs, entidades comunitárias e instituições financeiras é mais uma demonstração do nível de desenvolvimento do chamado 'terceiro setor' entre nós.
Todos ganham com isso. As escolas, por exemplo, tendem a adquirir maior visibilidade no mercado, dispondo de alunos talentosos
como cartão de visitas, independentemente de sua origem social. Bancos, corretoras e empresas reforçam a imagem de 'empresas cidadãs', ou seja, comprometidas com a melhoria do nível da educação. Movimentos comunitários e ONGs são estimulados a substituir o velho e desgastado assistencialismo benemerente por uma atuação mais profissional e eficiente .
Os próprios alunos são obrigados a cooperar com colegas de diferentes classes sociais, o que propicia um saudável aumento da diversidade cultural no ambiente escolar. Enquanto os estudantes pobres têm a possibilidade de desenvolver suas potencialidades e de ascender socialmente, os estudantes de classe média sofrem um 'choque de realidades', afirma Cláudio Moura Castro.
Já as escolas 'precisam ter vocação para a inclusão social', lembra Ilona Beckskeházy. Valorizar alunos pobres que se sobressaem é uma forma de democratizar o ensino fundamental, diz Sonia Bercito, do Grupo Objetivo.
Como a educação é uma das áreas estratégicas para o desenvolvimento socioeconômico, a oferta de oportunidades para alunos talentosos pobres pela rede escolar privada representa uma pequena revolução no sistema de ensino. Essa experiência é importante não apenas porque contribui para a melhoria dos recursos humanos e a formação das elites técnicas e gerenciais de que o País necessita, mas também porque mostra o papel que podem ter na solução dos nossos grandes problemas as iniciativas do setor privado em cooperação com as ONGs que suprem as deficiências dos governos.