Aulas práticas sem animais
Por Thiago Romero
Ao comparar
o nível de aprendizagem de dois grupos de alunos do curso de
medicina que tiveram aulas práticas demonstrativas com e sem
utilização de camundongos, pesquisadores do Centro Universitário
Lusíada, em Santos (SP), concluíram que é possível manter a
mesma qualidade de ensino com a substituição dos animais por
outras fontes de conhecimento.
O estudo se concentrou na disciplina de histologia, que estuda
os tecidos do corpo humano. O conteúdo ministrado aos 128
alunos, divididos em duas turmas, foi idêntico, com diferença
apenas na coleta das células. A primeira turma coletou células
dos órgãos de animais sacrificados e a segunda utilizou células
da mucosa oral dos próprios alunos.
O trabalho, conduzido pelos professores
Renata Diniz, Ana Lúcia Duarte e Charles de Oliveira, foi
publicado na Revista Brasileira de Educação Médica. "Como a
finalidade da aula era visualizar características celulares, não
importava se a célula fosse de humanos ou de animais, já que
componentes de interesse como o núcleo e o citoplasma são iguais
em ambos os casos", disse Renata à Agência FAPESP.
Com as demonstrações práticas das células encerradas, um
questionário para avaliação da aprendizagem foi aplicado nos
alunos. As respostas foram inseridas em um banco de dados
informatizado e analisadas de maneira quantitativa e
qualitativa.
"Apesar de a turma que não utilizou
animais ter apresentado um índice de acerto das questões
ligeiramente maior, 69% contra 62% do grupo que utilizou células
dos camundongos, as análises estatísticas ignoram essa diferença
por uma série de fatores, como a possibilidade de haver
indivíduos mais inteligentes em um dos grupos. Com isso,
consideramos que o desempenho foi semelhante por não haver
diferenças estatísticas significativas de acertos e erros entre
os grupos", apontou Renata.
Segundo ela, o trabalho não propõe a
eliminação total dos animais em sala de aula. "A idéia é apenas
alertar professores de medicina e veterinária para a existência
de outras metodologias de ensino que possam oferecer o mesmo
nível de aprendizagem respeitando a vida animal", explica
Renata, ressaltando que, após os resultados do estudo, a
disciplina de histologia do Centro Universitário Lusíada não
utiliza mais camundongos em aulas práticas.
Outra metodologia bastante utilizada no
exterior e que está se tornando freqüente no Brasil, explica
Renata Diniz, são os modelos que imitam peles e órgãos de
animais e de humanos. "Esses modelos imitam a elasticidade da
pele para que o aluno consiga praticar técnicas cirúrgicas. A
vantagem é que o mesmo modelo pode ser utilizado durante vários
anos e o aluno pode praticar o mesmo procedimento várias vezes.
O animal, por sua vez, após ser sacrificado é aproveitado em
poucas aulas", compara.
Em uma das questões do questionário, os
alunos tinham que indicar também três sentimentos vivenciados na
presença dos animais, a partir de 18 palavras listadas. Os
sentimentos mais citados foram curiosidade, ansiedade e
tranqüilidade. Por outro lado, felicidade e orgulho não foram
assinalados por nenhum estudante.
Em seguida, os sentimentos foram agrupados
em positivos, negativos, curiosidade e indiferença. Considerando
os dois grupos analisados, o sentimento negativo foi indicado
por 50% dos indivíduos e o positivo por 18%. De acordo com a
análise separada dos sexos masculino e feminino, verificou-se um
predomínio de sentimentos negativos entre as mulheres (61%) em
comparação com os homens (27%).
"De maneira geral, o comportamento emocional dos alunos muda com
a presença de animais em aulas práticas. Eles ficam mais
eufóricos, principalmente os homens, e acabam passando essa
ansiedade para os colegas", justifica Renata Diniz.
Para ela, a alta prevalência de
sentimentos negativos entre as mulheres pode ser explicada pela
maior aversão em relação ao sofrimento dos animais. "Os homens,
talvez por uma questão social, tendem a disfarçar suas emoções,
o que explicaria o baixo predomínio de sentimentos negativos
relacionados aos animais de laboratório", sugere.
Para ler o artigo Animais em aulas
práticas: podemos substituí-los com a mesma qualidade de
ensino?, disponível na biblioteca on-line SciELO (Bireme/FAPESP),
clique aqui.