São Paulo, quarta-feira, 27 de junho de 2007

 
 
 

 
TENDÊNCIAS/DEBATES

A marcha atual é a da insensatez

JOSÉ ELI DA VEIGA

Na verdade, até agora não deu para entender por que quadros políticos dos mais preparados e maduros cometeram tão crasso erro

AS CONDIÇÕES em que viverão as futuras gerações de brasileiros são absolutamente dependentes do que está sendo feito em favor de um eficaz sistema de CT&I: ciência, tecnologia e inovação.
Qualquer equívoco nesse terreno terá drásticas conseqüências sobre o leque de escolhas que se abrirá aos descendentes do imenso contingente de jovens que compõe a atual população do Brasil. Qualquer erro de concepção poderá inviabilizar a transição para um desenvolvimento que todos parecem querer que também seja sustentável.
É nessa perspectiva que deve ser repensado o subsistema formado pelas universidades, mesmo que infelizmente ela não tenha orientado os discursos e ações dos atores envolvidos na "marcha da insensatez", cujo tiro de largada foi a invenção da Secretaria de Ensino Superior (SES). E que pode ter culminado (tomara!) com o festival juvenil de 50 dias no prédio da reitoria da USP, onde esperançosa garotada foi decisivamente manipulada por conhecidos lunáticos, que há muito acabaram com a legitimidade que restava às associações de funcionários e docentes que controlam.
Em termos metafóricos, um sistema nacional de CT&I equivale ao sistema neurológico de um ser vivo. Porém, para a sociedade brasileira, "a ficha não caiu". A questão não tem sido desprezada, mas a importância relativa que lhe é atribuída está muito longe de corresponder ao seu peso estratégico. Tudo se passa como se o sistema neurológico tivesse tanta importância quanto punhos ou joelhos.
Talvez não haja exemplo mais simbólico dessa vertigem do que encarar as três universidades públicas paulistas como parte de uma genérica rede de "ensino superior".
Claro, é indispensável que venha a ser garantido acesso a ensino superior da mais alta qualidade a todo cidadão que conclua o ensino médio. Mas esse ensino de massa não pode ser a prioridade do restrito núcleo de universidades brasileiras que, a duras penas, conseguiram se tornar razoáveis universidades de pesquisa. As poucas capazes de formar os recursos humanos que desempenharão funções muito mais exigentes em conhecimento do que aquele que pode ser obtido no chamado ensino superior.
Em qualquer nação avançada, o processo de desenvolvimento impôs essa divisão do trabalho na formação de recursos humanos.
A importância crucial da pesquisa científica, do desenvolvimento de tecnologias (físicas e sociais) e do fomento inovador logo distinguiu o grupo de instituições que primeiro obteve excelência nesse tripé do futuro. Grupo que foi levado a se diferenciar do subconjunto, bem mais amplo, formado por instituições cuja ênfase tem que estar na oferta de ensino superior de massa. Isto é, cursos que em poucos anos fazem com que pós-adolescentes se tornem competentes profissionais, dos quais a esmagadora maioria migrará do sistema de CT&I para carreiras em empresas privadas, administração pública, terceiro setor ou atividades autônomas.
Está totalmente na contramão dessa tendência histórica, da qual não escapou nenhum dos atuais 30 países mais desenvolvidos, a inclinação para lidar com as três universidades públicas paulistas como se fossem simples instituições de ensino superior.
Na verdade, até agora não deu para entender por que quadros políticos dos mais preparados e maduros -como o são o governador José Serra e seu secretário-chefe da Casa Civil, Aloysio Nunes Ferreira- cometeram tão crasso erro. Afinal, eles decerto estão bem informados sobre as características dos sistemas de CT&I dos EUA, do Reino Unido ou da França.
Pior: nessas três democracias, decisões dessa importância são precedidas por amplas consultas, não só à comunidade diretamente envolvida como também a todos os segmentos que podem opinar sobre os destinos do sistema de CT&I. Alterações institucionais desse quilate exigem prévio debate público, mesmo que o governador tenha o direito legal de decretá-las. Não podem vir de burocratas -e na calada da noite.
O que mais interessa, contudo, é olhar para a frente e para o alto. Transformar a já exaurida SES em coordenadoria da Secretaria da Educação, estimulando simultaneamente o Cruesp (Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas) a evoluir para melhor arranjo institucional, que poderia ter estatutos inspirados, por exemplo, nos da francesa "Conférence des Grandes Écoles" (http://www.cge.asso.fr/). E partir para a concepção coletiva de um plano diretor de CT&I, com foco na educação científica desde o ensino fundamental.


JOSÉ ELI DA VEIGA, 59, é professor titular do Departamento de Economia da FEA-USP (Faculdade de Economia e Administração), de cujo Núcleo de Economia Socioambiental é coordenador.
www.zeeli.pro.br