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TENDÊNCIAS/DEBATES
A marcha atual é a da insensatez
JOSÉ ELI DA VEIGA
Na verdade, até agora não deu para entender por que
quadros políticos dos mais preparados e maduros
cometeram tão crasso erro
AS CONDIÇÕES em que viverão as
futuras gerações de brasileiros são absolutamente
dependentes do que está sendo feito em favor de um
eficaz sistema de CT&I: ciência, tecnologia e inovação.
Qualquer equívoco nesse terreno terá drásticas
conseqüências sobre o leque de escolhas que se abrirá
aos descendentes do imenso contingente de jovens que
compõe a atual população do Brasil. Qualquer erro de
concepção poderá inviabilizar a transição para um
desenvolvimento que todos parecem querer que também seja
sustentável.
É nessa perspectiva que deve ser repensado o subsistema
formado pelas universidades, mesmo que infelizmente ela
não tenha orientado os discursos e ações dos atores
envolvidos na "marcha da insensatez", cujo tiro de
largada foi a invenção da Secretaria de Ensino Superior
(SES). E que pode ter culminado (tomara!) com o festival
juvenil de 50 dias no prédio da reitoria da USP, onde
esperançosa garotada foi decisivamente manipulada por
conhecidos lunáticos, que há muito acabaram com a
legitimidade que restava às associações de funcionários
e docentes que controlam.
Em termos metafóricos, um sistema nacional de CT&I
equivale ao sistema neurológico de um ser vivo. Porém,
para a sociedade brasileira, "a ficha não caiu". A
questão não tem sido desprezada, mas a importância
relativa que lhe é atribuída está muito longe de
corresponder ao seu peso estratégico. Tudo se passa como
se o sistema neurológico tivesse tanta importância
quanto punhos ou joelhos.
Talvez não haja exemplo mais simbólico dessa vertigem do
que encarar as três universidades públicas paulistas
como parte de uma genérica rede de "ensino superior".
Claro, é indispensável que venha a ser garantido acesso
a ensino superior da mais alta qualidade a todo cidadão
que conclua o ensino médio. Mas esse ensino de massa não
pode ser a prioridade do restrito núcleo de
universidades brasileiras que, a duras penas,
conseguiram se tornar razoáveis universidades de
pesquisa. As poucas capazes de formar os recursos
humanos que desempenharão funções muito mais exigentes
em conhecimento do que aquele que pode ser obtido no
chamado ensino superior.
Em qualquer nação avançada, o processo de
desenvolvimento impôs essa divisão do trabalho na
formação de recursos humanos.
A importância crucial da pesquisa científica, do
desenvolvimento de tecnologias (físicas e sociais) e do
fomento inovador logo distinguiu o grupo de instituições
que primeiro obteve excelência nesse tripé do futuro.
Grupo que foi levado a se diferenciar do subconjunto,
bem mais amplo, formado por instituições cuja ênfase tem
que estar na oferta de ensino superior de massa. Isto é,
cursos que em poucos anos fazem com que pós-adolescentes
se tornem competentes profissionais, dos quais a
esmagadora maioria migrará do sistema de CT&I para
carreiras em empresas privadas, administração pública,
terceiro setor ou atividades autônomas.
Está totalmente na contramão dessa tendência histórica,
da qual não escapou nenhum dos atuais 30 países mais
desenvolvidos, a inclinação para lidar com as três
universidades públicas paulistas como se fossem simples
instituições de ensino superior.
Na verdade, até agora não deu para entender por que
quadros políticos dos mais preparados e maduros -como o
são o governador José Serra e seu secretário-chefe da
Casa Civil, Aloysio Nunes Ferreira- cometeram tão crasso
erro. Afinal, eles decerto estão bem informados sobre as
características dos sistemas de CT&I dos EUA, do Reino
Unido ou da França.
Pior: nessas três democracias, decisões dessa
importância são precedidas por amplas consultas, não só
à comunidade diretamente envolvida como também a todos
os segmentos que podem opinar sobre os destinos do
sistema de CT&I. Alterações institucionais desse quilate
exigem prévio debate público, mesmo que o governador
tenha o direito legal de decretá-las. Não podem vir de
burocratas -e na calada da noite.
O que mais interessa, contudo, é olhar para a frente e
para o alto. Transformar a já exaurida SES em
coordenadoria da Secretaria da Educação, estimulando
simultaneamente o Cruesp (Conselho de Reitores das
Universidades Estaduais Paulistas) a evoluir para melhor
arranjo institucional, que poderia ter estatutos
inspirados, por exemplo, nos da francesa "Conférence des
Grandes Écoles" (http://www.cge.asso.fr/).
E partir para a concepção coletiva de um plano diretor
de CT&I, com foco na educação científica desde o ensino
fundamental.
JOSÉ ELI DA VEIGA, 59, é professor titular do
Departamento de Economia da FEA-USP (Faculdade de
Economia e Administração), de cujo Núcleo de Economia
Socioambiental é coordenador.
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