|
Folha de São Paulo
São Paulo, quinta-feira, 01 de fevereiro de 2007
TENDÊNCIAS/DEBATES
A sobrevivência da autonomia universitária
JOSÉ TADEU JORGE
Para as universidades, é um grande fator de desestímulo. Para a
sociedade, é um retrocesso. Urge evitar o desastre enquanto é tempo
APÓS 18 anos de êxito comprovado do estatuto da autonomia, as
universidades estaduais paulistas -USP, Unicamp e Unesp-, que,
juntas, concentram parte substancial da produção acadêmica
brasileira, se vêm tomadas de uma inquietação que há muito não
experimentavam.
Na esteira de uma série de decretos do governo do Estado,
disseminou-se o temor de que a autonomia das universidades está
ameaçada. E, quando uma questão desse porte é introduzida, com tudo
o que implica no cotidiano de uma comunidade de alto poder crítico e
fortíssimo envolvimento social, não há outra maneira de tratá-la
senão com realismo e franqueza. Mas também com serenidade.
A autonomia universitária é um princípio constitucional consagrado
desde 1988 e, por conseqüência, também da Constituição paulista. No
ano seguinte, esse princípio foi aplicado em sua plenitude nas três
universidades públicas de São Paulo com a instituição do regime de
autonomia financeira com vinculação orçamentária.
Fixou-se para essas instituições uma cota-parte sobre a arrecadação
do ICMS estadual -inicialmente de 8,4%, subiu para 9% em 1992 e para
9,57% em 1995, graças ao reconhecimento de diferentes governos-,
tomando-se por base a média orçamentária de cada uma delas.
À diferença do modelo anterior, em que os recursos lhes eram
repassados sob demanda -segundo a política do pires na mão, com
sobressaltos de toda ordem-, a autonomia tornou possível às
universidades projetar seu futuro e organizar seu dia-a-dia,
estabelecer políticas próprias de racionalização e de investimentos
de acordo com o fluxo das demandas sociais e o comportamento da
economia, com a vantagem de trabalhar realisticamente sobre
previsões orçamentárias.
Isso não só gerou condições de trabalho muito mais objetivas como
também assegurou a tranqüilidade necessária para uma expansão
considerável -e contínua- de seus indicadores de qualidade e de
produção.
Um quadro da ascensão dos indicadores da Unicamp entre 1989 e 2005
espelha o conjunto das três universidades, cujo crescimento, se não
foi homogêneo, guardou sempre uma certa simetria.
Com efeito, nesse período marcado por pelo menos três crises
econômicas profundas, a Unicamp expandiu em 137% o número de
matriculados em seus cursos de graduação e em 74% o número de vagas
oferecidas no vestibular, e o crescimento das vagas nos cursos
noturnos foi de 6,5 vezes.
Os matriculados na pós-graduação mais que dobraram em relação a 1989
e o número de teses e dissertações defendidas em 2005 foi 280% maior
que no ano inicial da autonomia.
A taxa de professores com titulação mínima de doutor saltou de 59%
para 96%, e o número de artigos científicos inseridos em revistas
internacionais indexadas cresceu nada menos que sete vezes. A tudo
isso correspondeu, no mesmo período, um decréscimo de 18% no número
de docentes e de 23% no número de funcionários.
Os números mostram que a universidade pública paulista soube
responder à prerrogativa da autonomia com a contrapartida da plena
responsabilidade administrativa e acadêmica. Disso não discorda o
titular da Secretaria de Ensino Superior, José Aristodemo Pinotti,
tomando por base o seu artigo publicado nesta Folha no último dia
26. Cuida mesmo o secretário de assegurar, em seu nome e no do
governador José Serra, a continuidade da autonomia, da parcela do
ICMS, da política salarial e da expansão de vagas dentro dessa
autonomia.
Aqui é forçoso atentar para os fatos recentes para compreender por
que as palavras do secretário, que deveriam soar como
tranqüilizadoras, não foram suficientes para aplacar as
inquietações.
A dissolução do formato do conselho de reitores, o Cruesp -fórum
antes presidido pelos reitores, em sistema de rodízio, e agora sob o
comando exclusivo do secretário-, foi interpretada como um gesto
preparatório para medidas mais contundentes.
Coincidência ou não, pela primeira vez na história da autonomia, as
universidades deixaram de receber, em janeiro de 2007, a totalidade
de seus repasses correspondentes ao mês anterior, o que está longe
de ser um precedente tranqüilizador.
Especula-se se isso deveria ser visto como sinal de que,
independentemente da manutenção da vinculação orçamentária -promessa
explícita do governo-, o regime pactuado passa a estar sujeito a
flutuações, afora as do comportamento da economia, pondo fim a um
ciclo de regularidade que, até aqui, foi cumprido à risca com
resultados os mais expressivos.
São sinais que colocam sob risco a autonomia. Para as universidades,
é um enorme fator de desestímulo. Para a sociedade, um retrocesso.
Urge evitar o desastre enquanto é tempo.
JOSÉ TADEU JORGE, 53,
é reitor da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
|