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São Paulo, 21 de maio de 2007JORNAIS
Folha de S.Paulo
Opinião
Tendências/Debates
Trapalhadas na Secretaria de Ensino Superior
Jorge Megid Neto
Não é possível escamotear essas ações atrapalhadas do início do
governo Serra. Melhor seria extinguir a Secretaria de Ensino
Superior
AS
MANIFESTAÇÕES do secretário José Aristodemo Pinotti e de outros
secretários ou políticos ligados ao governo não conseguem justificar
a criação da Secretaria de Ensino Superior e as incursões sobre a
autonomia universitária da USP (Universidade de São Paulo), da
Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e da Unesp
(Universidade Estadual Paulista).
O secretário Pinotti, em janeiro, justificava a criação de sua pasta
pela necessidade de dar uma organização sistêmica para as mais de
500 instituições de ensino superior do Estado ("Tendências/Debates",
26/1).
Agora, complementa dizendo que as três
universidades públicas paulistas "estavam meio soltas, misturadas em
uma secretaria que tinha outras atribuições" (Cotidiano, 14/5).
Uma segunda justificativa diz respeito à pretensão de resolver, por
meio da sua secretaria, a precária situação da educação básica do
Estado.
As justificativas e medidas adotadas são inconsistentes, oneram os
cofres públicos, retiram atribuições da Secretaria da Educação, além
de intervir na autonomia universitária.
Com relação à organização do sistema estadual
de ensino superior, deve-se considerar que as instituições privadas
respondem ao MEC (Ministério da Educação) para credenciamento,
reconhecimento e avaliação de seus cursos; no que se refere à gestão
administrativa e financeira, às suas mantenedoras. Uma secretaria de
Estado não pode, portanto, assumir atribuições que são do MEC ou de
foro privado das instituições.
USP, Unicamp e Unesp, de fato, devem responder a uma
secretaria de Estado, além do Conselho Estadual de Educação.
Vinculavam-se à Secretaria de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento
Econômico (atual Secretaria de Desenvolvimento), com o Centro Paula
Souza, responsável pelas Fatecs (faculdades de tecnologia).
Que organização sistêmica Pinotti pretendeu
obter ao deixar de fora da sua pasta as Fatecs, responsáveis por
cerca de 30% dos estudantes de graduação do ensino público paulista?
E mais, interveio numa conquista histórica dos docentes,
funcionários e estudantes das quatro instituições, qual seja, manter
o Centro Paula Souza junto das três universidades.
A incoerência aflora ainda quando lemos que uma das propostas do
governo estadual é criar, na Unesp, escolas
profissionalizantes em que os melhores alunos entrarão no ensino
superior sem precisar de seleção.
Ora, quase todas as escolas técnicas estaduais
hoje estão vinculadas ao Centro Paula Souza. Agora, passaremos a ter
escolas de ensino médio repartidas em três secretarias: da Educação,
de Desenvolvimento e de Ensino Superior.
Quanto à melhoria da educação básica e pública, isso já é atribuição
central da Secretaria da Educação. Em parceria com essa secretaria e
com municípios, as três universidades vêm dedicando grande parte de
seus esforços em programas de formação inicial ou continuada de
professores e gestores escolares, na assessoria à produção e difusão
de materiais pedagógicos e didáticos e no auxílio a reformas
curriculares e planejamento educacional.
Ou seja, para que elas continuem a desenvolver
essas ações, o governo não precisava criar uma nova secretaria.
Deixou de economizar recursos e otimizar organização e métodos.
Além do mais, a noção de que a universidade deve gerar conhecimentos
e inovações educacionais, os quais são transferidos e incorporados
diretamente pela educação básica, há muito está superada.
Os professores e gestores escolares se formam
continuamente em serviço e a eles compete produzir as inovações e
melhorias em sintonia com a comunidade escolar. À universidade
compete colaborar como parceira nesse processo. Não podemos esperar
que programas de formação possam promover a tão desejada melhoria da
educação pública do país.
É necessário, conjuntamente, melhorar a infra-estrutura escolar;
contratar bibliotecários, técnicos de laboratório e outros
profissionais de apoio; fornecer salários dignos; ampliar a parcela
da jornada de trabalho destinada a atividades pedagógicas extra-sala
de aula; estender a todas as escolas o tempo integral, em cujo
período complementar as crianças e adolescentes sejam devidamente
assistidos por professores. Essas ações não podem ser emanadas e
dirigidas por uma Secretaria de Ensino Superior.
Em suma, não é possível escamotear essas ações
atrapalhadas dos primeiros atos do governo Serra e do secretário
Pinotti. Melhor seria reconhecerem o erro, retornar USP, Unicamp e
Unesp para a Secretaria de Desenvolvimento e extinguir a
Secretaria de Ensino Superior. Eis um ato de coragem do novo
governo, denotando capacidade de refletir sobre seus atos,
reconhecer falhas e corrigir com urgência os rumos da administração
estadual.
JORGE MEGID NETO , 48, doutor em educação, é professor e diretor da
Faculdade de Educação da Unicamp (Universidade Estadual de
Campinas).