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São Paulo, 30 de janeiro de 2007JORNAIS
Folha de S.Paulo
Tendências - Debates
Universidade velha
JOSÉ CARLOS DE ALMEIDA AZEVEDO
Nenhuma mudança no ensino superior prosperará sem ser precedida
por alterações profundas nos níveis que o antecedem
O EDITORIAL
desta Folha do dia 22 deste mês chamou a atenção para a proposta do
reitor da Universidade Federal da Bahia de reestruturar o ensino
superior brasileiro e adotar o que chamou de bacharelados
interdisciplinares (BI).
O modelo, velho como a Sé de Braga, existe em universidades
européias, em particular nas inglesas, desde o século 12. O mesmo
ocorre nas norte-americanas, que concedem o bacharelado em apenas
duas áreas -artes e ciências- após estudos que duram dois ou quatro
anos e habilitam ao exercício profissional, com restrição para as
profissões de advogado e médico. Para estas, o diploma é outorgado
após mais três ou quatro anos de estudos e, quem o conquistar, deve
ainda cumprir estágios e residências e se submeter ao exame de ordem
para exercer a profissão.
A proposta do reitor da UFBA deve ser
estimulada "cum grano salis", pois tende a ser mais uma reforma,
simples e inconseqüente mudança de rótulo e forma, como a última
ocorrida em meio à algaravia de autoproclamados "educadores".
Nenhuma prosperará sem ser precedida por mudanças profundas nos
níveis de ensino que a antecedem.
Nas escolas de primeiro e segundo graus, os professores são mal
remunerados; em muitas delas, não há bibliotecas, laboratórios e
práticas esportivas e até faltam água, luz e telefone. Os alunos,
por sua vez, são submetidos a uma saturnal de disciplinas
desnecessárias, às quais foram acrescentados, há pouco, sociologia,
filosofia e estudos afro-brasileiros, contrariando até o meritório
esforço da natureza, que, desde a ruptura da Pangéia, nos afasta
daquele sofrido e esbulhado continente.
A nova reforma não atenta para o mais
importante, a "sinecura acadêmica, a ética universitária" (tomo, por
empréstimo, o título do ensaio do professor Edmundo Campos Coelho,
do Iuperj).
Diversas instituições classificam as universidades em escala
mundial.
Por exemplo, Academic Ranking of World Universities, World
University Rank e Webometrics Ranking of World Universities, sendo
festejada a classificação feita pelo Institute of Higher Education
da Universidade Shangai Jiao Tong, na China.
Seus critérios contemplam a qualidade da
educação medida pelo número de alunos que receberam o Prêmio Nobel e
a Fields Medal, por exemplo; a qualidade do corpo docente, medida
pelos mesmos parâmetros, e a citação de seus pesquisadores em temas
abrangentes; o número de artigos publicados na "Nature", na "Science"
e em revistas congêneres; os artigos listados no "Science Citation
Index-Expanded" e no "Social Science Citation Index". E, por fim, o
desempenho acadêmico em relação ao tamanho da instituição.
A relação da Shangai Jiao Tong dá a posição
exata de cada instituição até a centésima da lista; a partir daí,
classifica-as entre limites numéricos. Entre as 30 melhores, há 22
norte-americanas, quatro inglesas, duas japonesas, uma canadense e
uma suíça. A USP apareceu entre a 153ª e a 200ª; a Unicamp, entre a
300ª e 400ª, e a de Buenos Aires, entre a 200ª e 300ª.
A questão não é dirigir o estudante para tal ou qual diploma, mas
resolver o problema maior das universidades públicas brasileiras, a
qualificação dos professores e dirigentes, todos estes "eleitos pela
comunidade".
O que ocorreria nessas instituições
brasileiras se cancelassem, justamente, a dedicação exclusiva dos
professores que, nos últimos três anos, por exemplo, não tiverem
publicado um só trabalho de investigação naquelas revistas
especializadas? Ou nas instituições em que pelo menos 10% de seus
professores não tivessem cumprido tal meta?
Há poucos anos, o sábio físico John A. Wheeler estimou que cerca de
30% do PIB norte-americano é fruto de invenções e desenvolvimentos
fundamentados na mecânica quântica, o que representa umas seis vezes
o PIB desta Terra Papagalorum.
Por isso também, ao cuidar das mudanças
necessárias ao ensino de primeiro e de segundo graus, caberia tornar
opcional o que constituiu o saber inútil, ornamental e pedante e dar
ênfase à matemática, à língua portuguesa, às ciências e assim por
diante.
E convém lembrar as palavras de Steven Weinberg, Prêmio Nobel
("Facing Up, Science and its Cultural Adversaries"): "Estou
convencido de que, sem as nossas grandes universidades de pesquisa,
nós, nos EUA, teríamos de ganhar a vida plantando soja e mostrando o
Grand Canyon para os turistas do Japão e da Europa".
JOSÉ CARLOS DE ALMEIDA AZEVEDO , 75, doutor em física pelo Instituto
de Tecnologia de Massachusetts (EUA), é ex-reitor da UnB
(Universidade de Brasília).