USP
USP USP comparada
Universidade da Califórnia por Leopoldo Bernucci
DA
REDAÇÃO
Leia
abaixo a entrevista concedida por e-mail por Leopoldo Bernucci.
(ESM)
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A greve na USP, como em qualquer instituição pública, é um instrumento
legítimo de reividicações trabalhistas. Mas, da maneira como a "cultura
da greve" tem sido desenvolvida e assimilada, modo recorrente nos
últimos tempos na USP, temo que ela tenha perdido o seu real
significado. De modo geral, uma greve exige negociações entre as partes
e pede que estas sejam flexíveis, práticas e, sobretudo, razoáveis
com
respeito aos pontos reivindicados.
Portanto, parece-me que tanto a administração da universidade quanto os
funcionários deveriam estabelecer um cronograma para as negociações e
conduzi-las de modo respeitoso, realista e prático. Prático, porque as
negociações não podem ser intermináveis, e a USP não pode continuar
paralisada "ad infinitum".
As universidades públicas dos EUA são pagas; é impensável ver
alunos ou funcionários as destruírem
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Quanto à greve, professores e alunos [da Universidade da Califórnia],
nunca nos envolvemos nessas atividades. Os aumentos anuais de salários
dos professores -de, no máximo, 2% a 2,5% para todos [na USP, os
funcionários e professores em greve pedem reajuste de 16% mais um
aumento de R$ 200 fixos] e ainda por mérito, com base em casos
individuais- distancia-se do modelo brasileiro.
Além disso, os salários não estão regulados por nenhum sindicato. Quando
ocorrem greves de funcionários, algo bastante raro, elas normalmente têm
um prazo estabelecido para terminar. As negociações duram poucos dias e
se estendem pela noite afora, até que as duas partes cheguem a um
acordo.
É impensável ver alunos ou funcionários invadindo ou destruindo as
instalações da reitoria ou de outras dependências da administração e,
muito menos, a presença do corpo policial no campus. Portanto, é o
sentido prático e de coleguismo que leva todos a adotarem uma atitude
consensual para que as atividades sejam normalizadas imediatamente e não
prejudiquem o bom funcionamento das aulas e dos negócios da máquina
administrativa da universidade.
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O que posso afirmar é que os sistemas norte-americano e brasileiro são
muito diferentes. Em primeiro lugar, as universidades públicas dos EUA
são todas pagas. Os bons alunos que não possuem meios de pagar a escola
recebem bolsas parciais ou integrais dos governos estadual ou federal.
Mas como regra geral todos têm que pagar matrícula anual e mensalidades
para o sustento adequado da instituição. Como o sistema de universidades
públicas vem recebendo menos verbas dos governos nos últimos 20 anos nos
EUA, as instituições universitárias, na atualidade, têm que ser mais
criativas para manter o seu bom sustento e o padrão de qualidade.
Os alunos têm muita facilidade para obter empréstimos de agências do
governo federal. Um dado curioso, e que parece que ainda não foi muito
compreendido aqui no Brasil, é a parceria entre a universidade pública e
a empresa privada. Daí nascem acordos que beneficiam ambas as partes,
sem que se comprometa necessariamente a integridade acadêmica e moral da
instituição.
Há um certo mito -no Brasil e em toda a América Latina- segundo o qual
essa união descaracteriza a boa imagem da universidade pública, quando,
na verdade, produz efeitos muito positivos. Hoje em dia, nenhuma
universidade pública dos EUA poderia manter-se sem o auxílio de fundos
de doações privadas.
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Na Universidade da Califórnia, a escolha do reitor tem muito pouco a ver
com as decisões dos diversos grupos que compõem a instituição. O reitor
é escolhido por uma comissão de regentes (Board of Regents) formada por
26 membros. Dezoito são nomeados pelo governador da Califórnia por um
período de 12 anos, um é um estudante nomeado pelos regentes e sete são
membros "ex officio".
A comissão leva em consideração a experiência administrativa e a
visibilidade acadêmica do candidato a reitor. O processo de contratação
dos professores universitários na Universidade da Califórnia segue as
mesmas pautas do processo de outras instituições dos EUA, inclusive as
privadas. As vagas são anunciadas publicamente, forma-se uma comissão
para examinar as solicitações, realiza-se uma triagem no final do
processo, e os três finalistas são convidados para entrevistas de dois
ou três dias no campus universitário.
Como parte da entrevista, o candidato dá uma conferência aberta ao
público. Normalmente, o candidato escolhido assina um contrato de seis
anos e, nesse período, prepara-se para a sua efetivação -que lhe é
outorgada somente após passar por duas fases de avaliação das três áreas
(ensino, pesquisa e serviço administrativo) e, logicamente, ser
aprovado.
Recebendo a sua efetivação ("tenure"), o próximo passo ("full
professor") no processo das promoções da carreira universitária se dá
entre sete e dez anos mais tarde. Nessa última etapa, há outra avaliação
semelhante à já realizada para a efetivação do professor, com duas
comissões de parecer, uma interna e outra externa ao departamento do
candidato.
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A USP, em seu conjunto, continua sendo a instituição acadêmica mais
prestigiosa do Brasil nos EUA. Como tal, se define como um modelo
exemplar de instituição acadêmica que coaduna de forma equilibrada
ensino e pesquisa.
LEOPOLDO BERNUCCI
é professor de estudos latino-americanos na Universidade da Califórnia,
em Davis. Foi professor visitante na USP e também lecionou nas
universidades Yale, do Colorado e do Texas (EUA). É autor de "A Imitação
dos Sentidos" (Edusp), entre outros livros.
Folha Online
Sobre esse tema, leia também entrevista com a especialista em literatura
portuguesa e professora na Universidade de Santiago de Compostela, na
Espanha, Yara Frateschi Vieira, em
www.folha.com.br/091666 |