USP USP USP comparada
Universidade de Cambridge por Maria Lúcia Pallares-Burke
A convite da Folha, Maria Lúcia Pallares-Burke, Leopoldo Bernucci e
Katia Mattoso discutem o que diferencia a principal universidade
brasileira de suas congêneres em Camdridge, Paris e Califórnia
Três renomados acadêmicos respondem ao seguinte questionário:
1 - Como avalia a atual greve da USP e os confrontos dela
decorrentes (como entre reitoria e grevistas)?
2 - Em que uma greve em universidades estrangeiras difere de uma
greve na USP?
3 - Como avalia o sistema universitário brasileiro em comparação
aos estrangeiros?
4 - Grevistas argumentam que o cargo do reitor da USP não
representa a instituição, pelo fato de a escolha do cargo ser feita pelo
Poder Executivo. Quais critérios norteiam a escolha de professores nas
universidades em que trabalhou?
5
- Qual é a imagem da universidade pública brasileira junto das
instituições acadêmicas estrangeiras? Em sua opinião, ela tem ampliado
seu respaldo científico-institucional no exterior?
DA REDAÇÃO
Leia abaixo trechos da entrevista concedida pela historiadora Maria
Lúcia Pallares-Burke.
(EUCLIDES SANTOS MENDES)
1
É difícil, ou mesmo impossível, avaliar de longe a atual greve da USP.
Mas confesso que tenho a triste sensação de um "dejà vu".
Tenho recebido comunicados da reitoria dirigidos ao "caro servidor",
justificando a presença da Polícia Militar no campus como algo que se
tornou necessário para a "defesa dos princípios democráticos" -devido a
ação de "grupos de militantes políticos profissionais", que há décadas
estariam atuando na universidade.
Por outro lado, também recebo informações de professores e estudantes da
USP que apresentam um quadro totalmente diferente, em que o direito
democrático para demonstrações [de insatisfação] e greves estaria sendo
enfrentado pela direção da universidade com autoritarismo, insensatez e
violência.
2
Fala-se hoje no Reino Unido em uma redescoberta do poder da ação direta,
da ação das greves, em vários setores, incluindo fábricas e
universidades, e envolvendo piquetes como forma de persuasão.
Esse foi o caso da recente greve do metrô de Londres [em 10/ 6], mas sem
que isso desencadeiasse violência policial. Neste ano, por exemplo,
houve uma onda de greves e de ocupações, muitas com resultados, não só
na indústria como nas universidades.
No caso das indústrias, tratava-se, em muitos casos, de reação às
medidas tomadas por seus dirigentes diante da crise econômica -como
despedir empregados sem aviso prévio e sem pagamento.
No caso das universidades, de janeiro a março deste ano, houve o que tem
sido descrito como a "maior onda de ocupações de universidades" desde a
década de 1960. Naquela época, o motivo principal era [a manifestação
contra] a Guerra do Vietnã [1957-75], enquanto neste ano
tem sido a violência contra os palestinos em Gaza.
Em 35 universidades britânicas, estudantes invadiram parte de suas
unidades e em muitas delas obtiveram ganhos como, por exemplo, bolsas de
estudos para palestinos. As greves de professores no Reino Unido são
organizadas nacionalmente pela Associação dos Sindicatos de Professores
Universitários e, pelo que sei, foram eles que organizaram as últimas
greves de 2006 e 2004 para reivindicar aumento de salário.
A greve consistia na não entrega das notas dos exames finais dos alunos.
Essas disputas foram, e têm sido, geralmente resolvidas por negociações,
sem nenhuma participação da polícia -algo impensável aqui. No caso dos
estudantes, apesar de também haver uma associação nacional, as ações são
em geral tomadas separadamente em cada universidade.
Normalmente, não fazem greves propriamente, mas o que chamam de "sit-in",
ou seja, invasões de prédios do campus, que vão desde salas de aula,
teatros e escritórios administrativos até as salas do próprios reitores.
3
Comparando as melhores universidades britânicas com as melhores
brasileiras, o que chama a atenção, no caso do Brasil, é a combinação de
excelência com falta de recursos.
A quantidade de dinheiro privado e público que, por exemplo, a
Universidade de Cambridge recebe para pesquisa -que permite haver um
professor para cada dez alunos e riquíssimas bibliotecas-
necessariamente repercute na sua produção.
4
O reitor não é eleito diretamente pela comunidade acadêmica. É anunciado
o posto, e um comitê de professores analisa as "applications" [pedidos
de candidatura]. O comitê leva em consideração sobretudo a capacidade
administrativa dos candidatos.
Aqui os postos universitários têm de ser anunciados publicamente nos
jornais e todos os candidatos devem submeter, junto com seus papéis, uma
lista de pessoas a quem a instituição pedirá referências. Os candidatos
selecionados são entrevistados e fazem, em geral, uma apresentação
pública de seu projeto de trabalho ou dão uma aula.
Em geral, após três anos, a pessoa pode ser efetivada. Nesse processo de
seleção, as referências são essenciais e privilegiam aqueles que têm o
respaldo dos nomes mais eminentes no seu campo. Isso significa que quem
fez o doutorado na Inglaterra, e especialmente com um supervisor de
renome, tem uma grande vantagem em relação a outros candidatos vindos de
instituições de menor prestígio ou menos conhecidas.
Há também a questão cultural, pois mesmo uma pessoa de renome de outra
cultura dificilmente saberá escrever a carta no tom e nos dizeres que
repercutem positivamente entre os examinadores locais. Quanto à
avaliação das várias universidades, isso é feito a cada cinco anos,
quando os departamentos são examinados por acadêmicos de outras
instituições. A verba dada pelo governo a cada instituição depende do
resultado desse Exercício de Avaliação de Pesquisa, que data dos anos
1980.
As greves são resolvidas por negociações, sem a presença da
polícia, impensável no Reino Unido
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5
Muitas pessoas das universidades inglesas nada sabem sobre a USP e
desconhecem o fato de ela ser a melhor universidade da América do Sul,
segundo pesquisa de 2008 [realizada pelo Institute of Higher Education
da Shanghai Jiao Tong University] sobre as melhores universidades do
mundo [a USP subiu da 128ª para a 121ª posição no ranking].
Com certeza há cientistas que conhecem alguns de seus laboratórios e
equipes de pesquisa, mas, de modo geral, e especialmente no campo das
humanidades, o desconhecimento é generalizado. Haveria, pois, muito a
ser feito para difundir no exterior as realizações da USP. E isso tem de
partir do Brasil, pois se trata de lutar contra um desinteresse e uma
ignorância seculares sobre a cultura brasileira.
MARIA LÚCIA PALLARES-BURKE
é professora aposentada da USP e pesquisadora associada do Centro de
Estudos Latino-Americanos da Universidade de Cambridge. É autora de
"Gilberto Freyre - Um Vitoriano dos Trópicos" (ed. Unesp), entre outros
livros.
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