Folha de S. Paulo
São Paulo, terça-feira, 16 de junho de 2009
MARCOS NOBRE
Violência na USP
ANÁLISES da violência da última semana na USP falaram em nome da
democracia. Tanto quem apoiou como quem condenou o recurso à força
policial apelaram para a Constituição Federal e para o Estado
democrático de Direito. Esse apelo comum mostra consolidação e
vivacidade da Constituição e da democracia no país. Mas só quer dizer
alguma coisa se ficar claro o que realmente está em jogo nesse caso.
E o que está em jogo certamente não é a ação policial. Ela é sintoma,
não causa. O fundamental é saber por que afinal a polícia foi chamada.
Dizer que uma intervenção da polícia hoje é diferente de outra praticada
durante a ditadura militar é dizer o óbvio. Dizer que a ação da polícia
pretendia simplesmente restaurar a ordem ignora que todo o problema está
justamente nessa ordem a ser restaurada.
No Brasil, as universidades foram espaços fundamentais de resistência à
ditadura militar. Tentavam se organizar como refúgios em que se
procurava produzir em escala reduzida o que se pretendia expandir um dia
como um ambiente de convivência democrática mais amplo. Um requisito
crucial era o de manter a polícia o quanto possível longe desse
experimento.
A ditadura foi pouco a pouco derrotada. Instituições democráticas se
firmaram. Mas esse não é um processo uniforme rumo ao melhor: basta ver
a podridão exposta do Congresso Nacional. Também não é um processo
automático: a mera existência de instituições democráticas não garante
que a sociedade como um todo se tenha democratizado.
O que torna o conflito na USP mais amplo do que os muros da escola é
justamente o fato de revelar quão baixo ainda é o nível de
democratização da sociedade brasileira. O episódio mostra com clareza
que energias de protesto e de mudança continuam represadas em
universidades, sem encontrar canais efetivos de expressão na esfera
pública e na política institucional.
A USP tornou-se um emblema desse nó social por insistir em manter uma
estrutura de participação e uma forma de escolher dirigentes que se
parece mais com o conclave que elege o papa. Continua a preservar a
estrutura de uma universidade de cátedras, modelo rejeitado pela própria
USP há mais de 40 anos.
A recusa em proceder a uma reforma estrutural aprofunda cada vez mais o
isolamento da administração em relação à comunidade da universidade,
visível há mais de uma década. Produz atritos internos que rapidamente
degeneram em conflitos artificiais. O apelo à intervenção policial é o
último recurso de um grupo dirigente divorciado da própria universidade.
nobre.a2@uol.com.br
MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras nesta coluna.
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