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TENDÊNCIAS/DEBATES
Educação: da crise à euforia
JOÃO BATISTA ARAUJO E OLIVEIRA
Mascarar a gravidade da
situação da educação dificilmente ajudará. Sugerir que estamos a
caminho do sucesso é puro ilusionismo
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ESTRANHO país, o nosso. Em 2006, pela
primeira vez na história, um ministro da área reconheceu publicamente que a
qualidade da educação brasileira era deplorável, ao apresentar os resultados
da Prova Brasil. Nos últimos dias, no entanto, deu-se o inverso. E a
propaganda oficial contribuiu para isso. Confundem as sombras com a
realidade. Estamos na caverna de Platão.
Em edições recentes das revistas semanais, o governo apresentou uma curva de
fazer inveja a Huff e Geis, autores do já quarentão "How to Lie with
Statistics" (como mentir usando estatística). Vejamos os dados, depois, as
implicações.
O Ideb, indicador oficial do desempenho da educação brasileira, mistura
taxas de aprovação com notas dos alunos, aferidas pela Prova Brasil.
Embora seja relevante melhorar as taxas de aprovação, o indicador de
qualidade deveria se refletir, isso sim, nas notas. Somente esse índice
serve para comparar nossos resultados com os do Pisa.
Qualquer pessoa medianamente versada na matéria sabe distinguir flutuações
estatísticas de tendências.
No caso da Prova Brasil, com um desvio padrão que pode variar de 40 a 50
pontos, flutuações inferiores a seis pontos para mais ou para menos, como
vem ocorrendo ao longo dos últimos 15 anos, representam pouco mais do que
meros ruídos. Seriam relevantes se fossem consistentes.
Ao longo da série histórica de sete aplicações da prova, sempre tivemos
flutuações nas provas de português e matemática das três séries avaliadas.
Em 1997, houve quatro flutuações negativas; em 1999, foram seis; cinco, em
2001; uma, em 2003; e quatro, em 2005. Em 2007, todas as flutuações foram
positivas. Do total de 20 mudanças negativas, 13 foram inferiores a seis
pontos.
A única alteração relevante, em 2007, deu-se nos resultados de matemática na
quarta série (11 pontos), o que, certamente, não pode ser justificado por
uma política específica para a área. Explicações plausíveis seriam a maior
homogeneidade na idade dos alunos (pela eliminação dos de maior idade, no
geral com pior desempenho) e o fato de os resultados de matemática serem
bastante inferiores ao de língua portuguesa, o que facilita a conquista de
melhor patamar.
Já no indicador geral do Ideb, houve mudança de quatro décimos nos
resultados da quarta série, um décimo nos resultados da oitava série e
nenhuma mudança nos resultados do ensino médio. Exceto no ano de 1999, em
que houve queda mais acentuada, os dados não sugerem nenhuma tendência
-apenas flutuações em torno de patamares medíocres.
O gráfico usado na propaganda oficial comete duas violações graves.
Primeiro, apresenta como descendente praticamente tudo o que vem antes de
2003. Os dados não suportam essa representação. Segundo, aponta como
ascendente tudo o que vem a partir de 2005 -e apresenta como se fosse uma
tendência.
A maior manipulação, no entanto, se dá na inclinação das curvas e no tamanho
dos degraus da caminhada rumo ao mundo desenvolvido.
Esse apelo da propaganda oficial pode prestar um enorme desserviço ao
corajoso trabalho de convencimento que o ministro da Educação vem fazendo
sobre a gravidade do problema educacional.
Entende-se que prefeitos e autoridades estaduais tenham comemorado pífias
melhorias do Ideb, de resto apoiadas essencialmente em alterações nas regras
de promoção. Do total de 84 Idebs -são 26 Estados com três Idebs cada-,
apenas 14 apresentaram mais de 5% de melhora. Desses, 12 estão em Estados do
Norte, Nordeste e Centro-Oeste, onde é muito mais fácil melhorar pelo
simples fato de que os dados de base são muito baixos.
A experiência internacional é cheia de ensinamentos a respeito dos
ingredientes de como se deve fazer uma reforma da educação e as condições
básicas de sucesso. A formação de um consenso sobre os problemas é um
primeiro passo essencial. Antes de consolidar essa convicção, já começamos a
nos iludir.
Quando Huff e Geis publicaram seu livro, há mais de 40 anos, o objetivo era
alertar o leitor para os perigos das manipulações estatísticas. Em 2006, o
Brasil deu um passo avante para iniciar uma reforma da educação. Agora, deu
dois passos para trás. Mascarar a gravidade da situação dificilmente
contribuirá para avançar na formação de consenso na área. Sugerir que já
estamos a caminho do sucesso é puro ilusionismo.
JOÃO BATISTA ARAUJO E OLIVEIRA
, 61, psicólogo, doutor em educação, é presidente do Instituto Alfa e Beto.
Foi secretário-executivo do Ministério da Educação. |