Se o Congresso demora a aprovar lei, deixando pessoas sem a
garantia de um direito previsto na Constituição, o Supremo
Tribunal Federal (STF) se reúne e determina qual regra deve
ser aplicada. Esse entendimento foi aplicado pela segunda
vez na terça-feira, durante a última sessão de julgamentos
do semestre e deverá custar caro ao governo federal.
Por unanimidade, os
ministros do STF decidiram conceder aposentadoria especial a
um servidor público que trabalhou em condições de
insalubridade. A aposentadoria especial existe apenas para a
iniciativa privada. Ela permite a redução dos anos
necessários para se aposentar aos trabalhadores que atuam em
locais com risco à saúde. O problema é que os parlamentares
estão desde 1988 sem aprovar lei que beneficie os
funcionários públicos que trabalham sob condições
desgastantes ou de risco. Assim, o STF determinou que eles
devem ser atendidos pela Lei nº 8.213, de 1991, que favorece
os trabalhadores da iniciativa privada.
Foi a segunda vez em
que o STF impôs uma norma ao constatar a demora do Congresso
em aprovar leis. No ano passado, o STF mandou aplicar a Lei
de Greve do setor privado para as paralisações de servidores
públicos. Naquela decisão, pesou o fato de o governo
enfrentar ameaças de paralisações de controladores de vôo em
plena crise aérea. Ficou decidido, então, que os servidores
teriam de garantir a continuidade dos serviços, como ocorre
na iniciativa privada, e entrar em procedimentos de
negociação com o governo. A decisão envolvendo a greve dos
servidores foi extremamente inovadora, pois, no passado,
sempre que o STF recebia mandados de injunção cobrando a
aprovação de leis do Congresso, apenas declarava a demorava
e alertava o Parlamento. A partir daquela decisão, o STF
passou a impor uma norma na falta de votação no Congresso.
Na terça-feira, o
tribunal decidiu pela segunda vez pela aplicação de uma
determinada lei na demora do Congresso. A decisão favoreceu
o servidor Carlos Humberto Marques que trabalhou na Fundação
Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro. Mas, esse entendimento
deverá ser estendido a outros servidores e a perspectiva é
que o governo terá de conceder mais benefícios
previdenciários no futuro.
O relator do processo,
ministro Marco Aurélio Mello, criticou a "inércia do
Congresso Nacional" em legislar sobre o tema. "Julgo
procedente o pedido formulado para, de forma mandamental,
assentar o direito do impetrante (o servidor Carlos
Humberto) à contagem diferenciada do tempo de serviço em
decorrência de atividade em trabalho insalubre", afirmou
Mello.
Em seguida, o ministro
Carlos Ayres Britto enfatizou que se tratava de um caso de
direito garantido pela Constituição Federal, mas que ainda
depende de regulamentação por parte do Congresso Nacional.
"Esse é um caso típico de preenchimento de uma lacuna
legislativa pelo Poder Judiciário em se tratando de direito
constitucionalmente assegurado."
O presidente do STF,
ministro Gilmar Mendes, disse que irá comunicar o Congresso
sobre a decisão, "inclusive para fins estatísticos". Ele
lembrou que esteve com o presidente da Câmara dos Deputados,
Arlindo Chinaglia, para discutir o problema de leis
previstas pela Constituição, mas que ainda não foram votadas
pelo Congresso. "O presidente Arlindo Chinaglia comunicou
que estava organizando um grupo ou comissão com esse
desiderato, com o fito de eventualmente resolver essas
lacunas mais evidentes, de modo que nós estaríamos até
contribuindo nesse sentido", afirmou Mendes.
Os ministros Celso de
Mello, Cezar Peluso, Eros Grau e Menezes Direito estavam
ausentes do julgamento.
Fonte: Valor
Econômico (04.07.08)