Notícias       Quarta-Feira, 27 de junho de 2007

O barulho dos estudantes, artigo de Nelson Pretto

“Queremos que nossos estudantes continuem a fazer muito barulho, no São João, em São Pedro e em todos os outros dias do ano. Sempre. Isso só nos engrandecerá”

Nelson Pretto é professor e diretor da Faculdade de Educação da UFBA
(http://www.pretto.info). Artigo publicado em “A Tarde”:

Leitor atento d”A TARDE, não posso deixar de me manifestar indignado com o
tom da matéria fornecida pela Agência O Globo, e aqui publicada, sobre a
ocupação da Reitoria das USP pelos bravos estudantes paulistas.

Movimento decente dos discentes, que dão aula aos docentes, na luta em
defesa do que ainda resta da universidade pública brasileira. E se alguma
coisa ainda resta, foi por conta, exatamente, da luta incessante de
estudantes, professores e servidores das instituições públicas de ensino
superior, há mais de duas décadas, contra essa tendência de tudo virar
mercadoria, inclusive a educação.

Essa mesma universidade, que lutamos para defender e transformá-la, é a
que forma jornalistas como os dois que assinaram a matéria Depois de 51
dias, estudantes desocupam a reitoria da USP, na edição de A TARDE na
véspera do São João.

Entre fogos, foguetes, licores e canjicas, leio na página 15 que "depois
de 51 dias de ocupação, os estudantes que invadiram a reitoria da USP
deixam o prédio..." (grifo meu). Invade um lugar quem é de fora.

Os estudantes não só não são de fora, como constituem a alma viva das
nossas universidades, exatamente porque, para aprender os conceitos e
valores já estabelecidos pela ciência e pela cultura, desafiam a ordem e a
normalidade, tanto da ciência como da sociedade.

Que seria de nosso mundo se os jovens fossem, desde cedo, formatados para
se ajustar totalmente ao mundo estabelecido? Seria uma catástrofe.

Viveríamos um mundo sem cor, sem brilho, sem vida. Um mundo repleto de
"velhos" de 8 a 80 anos. Um mundo insuportavelmente homogêneo e, chato.
Muito chato! Pois a ocupação da reitoria como forma de protesto e luta em
defesa da universidade pública, não só da USP, foi a forma encontrada de
resistir. Na resistência, aparecem os conflitos.

Claro que atacar jornalistas, jogando água, não é elogiável, mas, também
não podemos aceitar profissionais que, ao escrever sobre o fato, tratam os
estudantes como horda de rebeldes.

Na referida matéria, a explosão irracional de dois péssimos profissionais
pode ser vista neste parágrafo: "Um repórter foi agredido. Um bando de
alunos jogou água nos jornalistas..." (grifo meu). Bando? Convenhamos,
leitor, tratar a juventude e os estudantes dessa forma é construir,
seguramente, um mundo muito pior do que já temos.

Um mundo onde o poder da mídia excede o bom senso e só contribuirá para
uma sociedade muito mais bélica.

Os fogos de São João virarão fogos de guerra, de insensibilidade. E nas
fogueiras das festas juninas podem vir a ser queimados nossos valores
éticos mais elementares.

Queremos que nossos estudantes continuem a fazer muito barulho, no São
João, em São Pedro e em todos os outros dias do ano. Sempre. Isso só nos
engrandecerá.
(A Tarde, 26/6)