Ao Magnífico Reitor, Prof. Dr. Marcos Macari e à comunidade unespiana.

Não me dirijo a todos vocês e ao Magnífico Reitor em primeiro lugar, para pedir desculpas pelos escatológicos incidentes ocorridos no campus de Franca no último dia 02 de agosto.

Se pedisse desculpas, estaria assumindo o lugar de agressor, e eu não agredi ninguém.

Tanto quanto o Magnífico Reitor e a comunidade da Unesp, fui agredido de forma vil e ultrajante por um grupo de moleques irresponsáveis, a quem faltam os mínimos rudimentos de educação, valores, respeito e moral.

Não lamento o fato – o lamento, nos ensinam os dicionários, é um gemido de dor e até um compadecimento. Não sinto dor e não me compadeço. Meus sentimentos são outros.

O primeiro sentimento é a vergonha!

Tenho sim, vergonha da situação calamitosa a que chegamos na sociedade brasileira, que tem aceitado, quando não defendido, atos semelhantes e os acobertado com a desculpa de que são próprios da juventude, que são a maneira de se expressar dos adolescentes rebeldes, e outras sandices mais.

Chegou-se ao ponto de, em defesa de tal ato, qualifica-lo como “manifestação poética de protesto” ou como “performance artística”!

Outros, ainda, os desculpam alegando que são protestos políticos próprios da militância!

Ledo engano! (ou má fé)!

A militância, de qualquer cor política que seja, tem um projeto, um objetivo e uma metodologia de ação.

O que ocorreu em Franca não foi nada disso – foi apenas e tão somente um ato desvairado de um grupo agressivo que vê sentido apenas na destruição, na quebra de todos os laços e vínculos sociais e políticos que a humanidade vem penosamente construindo ao longo de milênios.

Por nada terem, a não ser sua própria raiva diante da vida, querem tirar de nós todos o que temos de melhor: a possibilidade de vivermos em sociedade segundo princípios de respeito mútuo e garantias de expressão civilizada de nossas próprias posições, contentamentos e descontentamentos; a possibilidade de canalizarmos pela via política e jurídica as nossas necessidades, reivindicações e desejos.

 Quebrem-se esses vínculos, eliminem-se esses laços e voltaremos ao estágio, há séculos superado, do direito da força derrotando força do direito.

Mas, esse grupo não entende isso, não tem condições nem formação suficiente para entender isso!

Por nada terem, ofertaram ao Magnífico Reitor e à comunidade unespiana e, por força da mídia, à sociedade brasileira, a única coisa que têm e aquilo que são.

Tenho sim vergonha de uma sociedade que permitiu, ao longo de exíguos vinte ou vinte e cinco anos, a elevação da escatologia à condição de arte, o apelo à violência como condição de único instrumento político por parte da população jovem – o nojento episódio ocorrido em Franca não é um caso isolado; basta que se leiam os jornais para que se encontrem frequentemente notícias de fatos semelhantes em outros lugares do Brasil. Nesse particular a própria memória da Unesp ainda é bem viva sobre o episódio violento da invasão da Reitoria, resultando em ferimentos de pessoas, e sobre o qual nada se fez.

O segundo sentimento que tenho é o de fracasso!

Se não conseguimos demonstrar aos nossos alunos a diferença entre reivindicação fundamentada e exigência corporativa, a diferença entre protesto e agressão, a diferença entre direitos e privilégios, fracassamos em nossa função de educadores e talvez não consigamos mais demonstrar a diferença entre construção e destruição!

O terceiro sentimento é o de revolta!

Sou filho de operário, de modo que somente pude estudar na escola pública à noite, porque trabalhava durante o dia para sobreviver. Fui aluno da Universidade nos anos de 1970, um tempo de violenta repressão política, tempo em que os alunos não tinham sequer o direito de se fazerem representar nos órgãos colegiados, em que não existiam mecanismos de assistência estudantil, em que contávamos apenas conosco mesmo.

Me revolta verificar que, nos dias de hoje, a Universidade emprega vultosas quantias desviadas de sua verdadeira e única função – a produção e transmissão do saber novo – no atendimento das reivindicações estudantis e receber em troca desdém e agressões travestidas de “defesa dos direitos” dos alunos!

Que se faça uma séria e profunda averiguação no estado de conservação das moradias estudantis construídas pela Unesp, que se faça um levantamento do estado de conservação das casas alugadas por nós para abrigar alunos carentes (e que se faça também um levantamento da real carência desses alunos...) e se verificará o estado de depredação em que se encontram esses imóveis, imóveis que anualmente devem ser reparados com dinheiro, não meu nem do Reitor, mas dinheiro oriundo do bolso do povo por meio de impostos, porque foram depredados por pessoas que não têm o mínimo senso de convivência coletiva, que não têm o mínimo respeito para com o bem público e que, desafortunadamente, estão estudando gratuitamente, às custas do povo, em uma Universidade pública.

Me revolta saber que esse grupo, agressivo e destrutivo, é minoria na Unesp, mas que, por omissão da grande maioria das pessoas de bem da Universidade, acaba impondo seu modo inconseqüente de ação.

O quarto sentimento é o de dúvida!

Conseguiremos nós superar esse estado de coisas?

Como superá-lo em um ambiente social em que, em nome da defesa da liberdade e da democracia, nos tornamos permissivos e acovardados, tolerando todos os abusos para não sermos acoimados de autoritários? Poderemos supera-lo em um ambiente acadêmico que pensa que as leis que regem a sociedade brasileira não valem dentro dos muros da Universidade?

O repugnante episódio ocorrido em Franca nos coloca a todos diante da necessidade de um posicionamento firme e decidido em favor da saudável e profícua convivência universitária e contra atitudes do mesmo jaez que, incrivelmente, ocorrem constantemente em todos nossos campi.

O acovardamento diante desse fato será mais um passo no caminho da desestruturação dessa Universidade, instituição que, ao longo dos últimos trinta anos, vimos construindo diuturnamente com o que temos de melhor e em busca do melhor.

Quem não entende e não quer aceitar trabalhar civilizadamente nessa construção, não pode continuar a pertencer aos nossos quadros.

 

Franca, 08 de agosto de 2005.

 

Ivan Ap. Manoel
Vice-Diretor da
FHDSS
Franca