29/05/2007
Direito de greve do servidor: Governo prepara projeto
Marcos Verlaine*
Entidades do
funcionalismo entendem que a prioridade é
regulamentar a negociação coletiva e a solução
de conflitos, antes de tratar do direito de
greve
A greve dos
controladores de vôos reacendeu um debate há
muito secundado pelo Poder Público — o direito
de greve. Diante dos transtornos causados pelo
movimento dos controladores e a ausência de uma
lei, o Supremo Tribunal Federal resolveu
arbitrar uma norma, que seria o mesmo marco
legal dos trabalhadores do setor privado (Lei
7.783/89 – Lei de Greve). O Supremo ainda não
tomou a decisão final sobre a questão.
Com o propósito de
dar uma “solução final” para o problema, o
Governo pediu ao Ministério do Planejamento e à
Advocacia-Geral da União (AGU) que preparassem
uma proposta para submeter à Casa Civil e aos
Ministérios da Justiça e do Trabalho. Depois
disso, o projeto ainda será submetido às
centrais sindicais, disse Lula em entrevista
coletiva à imprensa no último dia 15. Dessa
forma, o texto deverá ficar pronto só no final
de junho, quando poderá ser enviado ao
Congresso.
Esta é uma matéria
complexa. De um lado o Governo enfrenta o dilema
de regulamentar com restrições este direito
inalienável do servidor. De outro, necessita
estabelecer os limites para o exercício desse
direito, de modo que a população — sobretudo os
segmentos mais carentes da sociedade, em caso de
greve do funcionalismo — não seja privada de
serviços essenciais como educação, saúde,
abastecimento de água, segurança pública, entre
outros.
A assessoria
parlamentar do DIAP teve acesso à última versão
da “Minuta de Lei de Regulamentação do Direito
de Greve no Serviço Público”, gestada pelo
Planejamento e AGU, e o comparou com o PL
6.032/02, do ex-presidente Fernando Henrique
Cardoso.
Quatro eixos
estruturam a proposta em elaboração. O primeiro
considera que todo o serviço público é
essencial, sem distinção; o segundo trata da
manutenção dos serviços; o terceiro é o “aviso
prévio” do início da greve; e o quarto é a
previsão de contratação temporária de servidores
para suprir a falta dos grevistas.
O projeto de FHC,
que ainda tramita na Câmara, está anexado ao PL
401/91, do ex-deputado e atual senador Paulo
Paim (PT/RS), sob a relatoria do deputado Daniel
Almeida (PCdoB/BA) na Comissão de Trabalho.
Tanto o anteprojeto em elaboração quanto o
projeto de FHC não contemplam plenamente as
expectativas das entidades do funcionalismo.
Na prática, ambas
as proposições dificultam a deflagração de greve
no serviço público. Em coletiva à imprensa no
dia 15 de maio, o presidente Luiz Inácio Lula da
Silva disse que greve no serviço público, sem
desconto dos dias parados, não é greve, “são
férias”.
Assim, qualquer
texto produzido pelo Executivo que seja enviado
ao exame do Legislativo necessariamente
importará algum tipo de restrição, razão pela
qual o movimento sindical dos servidores deve
ficar atento e acompanhar pari passu a
tramitação da matéria no Congresso. Esta
sugestão reforça-se em função de o perfil do
Congresso ser majoritariamente
liberal-conservador
Serviços essenciais
Pelo anteprojeto Lula todo
o serviço público é essencial, sem distinção. O
projeto FHC é omisso nesta questão, pois não
determina o que é essencial no serviço público
para efeito de paralisação. Já o anteprojeto
apresenta uma lista com 19 serviços considerados
“atividades essenciais”. Veja:
1. atendimento ambulatorial
de emergência e assistência médico-hospitalar;
2. atividade de arrecadação e fiscalização de
tributos em alfândegas, postos de fronteira e
assemelhados; 3. tratamento e abastecimento de
água; 4. distribuição e comercializaçã
Manutenção dos
serviços
Em situação de greve, um
percentual dos funcionários deve manter a
“máquina girando”. Na proposta de Lula, esse
percentual ainda não está determinado. No
projeto de FHC é de 50%.
Ainda no projeto de FHC,
esse percentual poderá aumentar caso “a
atividade assim o exigir”.
“Aviso prévio”
O “aviso prévio” do início
da greve é a necessidade de as autoridades e a
população serem avisadas com antecedência da
deflagração do movimento. Na proposta de Lula,
este aviso deve ser de 72 horas de antecedência
para as autoridades competentes; e de 48 horas
para a comunidade.
O anteprojeto Lula dispensa
o aviso — salvo nos serviços e atividades
essenciais — “em caso de greve motivada por
descumprimento dos instrumentos normativos
firmados no processo de negociação coletiva ou
por atraso de pagamento de remuneração”.
No caso do projeto FHC, o
aviso prévio às autoridades e à comunidade deve
ser de dez dias. E mais, depois de avisado sobre
o movimento grevista, o Poder Público tem um
prazo de trinta dias para se manifestar sobre as
reivindicações.
Contratação temporária
No anteprojeto há previsão
de contratação temporária de servidores para
suprir a falta dos grevistas.
Assim, “não havendo
acordo”, a Administração Pública “poderá
realizar contratação temporária por excepcional
interesse público ou qualquer forma de
contratação de serviços de terceiros para suprir
atividades ou serviços mínimos”. O projeto FHC
não prevê contratação temporária.
Quorum
No anteprojeto Lula, o
texto determina que o estatuto da entidade
deverá estabelecer formalidades estatutárias
para convocação de assembléia com um “número
mínimo de servidores em efetivo exercício para
deliberar sobre a deflagração da greve”.
O projeto FHC é mais
explícito e objetivo. Determina que as decisões
da assembléia geral deverão ter “a presença
mínima comprovada de dois terços do total de
servidores da categoria”. Qualquer decisão só
poderá ser aprovada se obtiver “a maioria
absoluta dos votos dos membros presentes”.
Desconto dos dias e multa
No anteprojeto uma
ambigüidade salta aos olhos. O artigo 5º diz que
“é livre a adesão à greve, vedada à
Administração a adoção de meios que visem
constranger os servidores a comparecer ao
serviço ou que sejam capazes de frustrar a
divulgação do movimento”.
Logo em seguida, o
parágrafo 1º determina que “as ausências ao
serviço em decorrência de adesão à greve
implicará na ‘perda de remuneração’ e seus
reflexos legais, salvo acordo coletivo entre as
partes”.
No projeto FHC, o pagamento
do salário do servidor em greve é suspenso de
ofício. Em caso de manutenção da greve depois de
declarada ilegal, a Justiça imporá à entidade
multa não superior a R$ 50 mil por dia de
paralisação, até que o movimento cesse.
Julgamento
No projeto FHC, o
julgamento da contenda entre o funcionalismo e a
Administração Pública fica a cargo do Tribunal
Superior do Trabalho. No anteprojeto Lula, o
julgamento se dará pelo TST, quando a greve for
estadual ou federal. O TRT da região também
poderá julgar o movimento grevista.
Substitutivo ao PL 401/91
No contexto do debate, o
deputado Daniel Almeida — relator da matéria na
Comissão de Trabalho da Câmara — apresentou um
substitutivo ao PL 401. O substitutivo engessa
menos a iniciativa de greve do servidor. No
artigo 3º, ele define, que “os estatutos das
entidades sindicais devem estabelecer as
formalidades de convocação da assembléia geral
para deliberar sobre a deflagração da greve”.
O texto também determina 11
serviços e atividades essenciais à comunidade
para efeito de paralisação. Veja os oito
serviços propostos como essenciais que estão no
anteprojeto Lula e não estão no substitutivo:
i) atividade de arrecadação
e fiscalização de tributos em alfândegas, postos
de fronteira e assemelhados; ii) segurança
pública, policiamento e controle de fronteiras;
iii) serviços penitenciários e assistência a
presos e condenados; iv) inspeção agropecuária e
sanitária de produtos de origem animal e vegetal
e de estabelecimentos industriais e comerciais;
v) defensoria e advocacia públicas; vi)
concessão de pagamento de benefícios
previdenciários e assistenciais; vii) serviços
indispensáveis ou diretamente vinculados à
função legiferante (produção de leis) e de
fiscalização e controle do Poder Legislativo; e
viii) serviços judiciários e do Ministério
Público diretamente vinculados aos serviços
essenciais.
No substitutivo, o “aviso
prévio” sobre a comunicação de paralisação nos
serviços essenciais relacionados no artigo 7º
deve ser com antecedência mínima de 72 horas,
“aos usuários, ao empregador e ao Poder
Público”.
A conciliação e julgamento
da demanda, pela proposta do relator do projeto,
fica a cargo do TRT do local em que ocorrer a
greve; quando a paralisação exceder a jurisdição
do TRTs, o julgamento será feito pelo TST. A Lei
de Greve (Lei 7.783/89), pelo texto de Daniel
Almeida, é revogada.
Outras proposições
Além do projeto do senador
Paim, há outras proposições que tratam do
direito de greve. Ao projeto de Paim estão
anexados outros cinco projetos de lei —
1.802/96, 2.180/96, 3.190/00, 424/03 e 1.418/03
— todos sob a relatoria do deputado Daniel
Almeida na Comissão de Trabalho.
Há também uma proposta de
emenda à Constituição (PEC) 103/95, do deputado
Luiz Carlos Hauly (PSDB/PR), que dá nova redação
ao artigo 9º da Constituição. A PEC assegura o
direito de greve desde que condicionado aos
direitos de todos e aos deveres do Estado
previstos na Constituição.
A proposta determina,
ainda, que as atividades essenciais não poderão
ser interrompidas e, tanto os abusos, como o
incitamento às práticas de crimes, sofrerão as
penalidades da lei. A PEC já foi aprovada na CCJ
da Câmara e aguarda criação de comissão especial
para análise do mérito.
Direito de greve do servidor
Também está em discussão na
Comissão de Trabalho o PL 4.497/01, da deputada
Rita Camata (PMDB/ES), que dispõe sobre os
termos e limites do exercício do direito de
greve pelos servidores públicos. A este estão
anexados outros seis projetos de lei — 5.662/01,
6.032/02, 6.141/02, 6.668/02, 6.775/02 e
1.950/03.
O projeto da deputada Rita
Camata, que está sob a relatoria do presidente
da Comissão, deputado Nelson Marquezelli
(PTB/SP), regulamenta o disposto no artigo 37,
inciso VII da Constituição. Define que “o
direito de greve será exercido nos termos e nos
limites definidos em lei específica”.
Brasil – iniciativa privada (CLT)
A Constituição de 1988
reconhece expressamente a greve como direito
fundamental, tanto para os trabalhadores em
geral (artigo 9º), quanto para os servidores
públicos civis (artigo 37, VI e VII), sendo que
estes foram também contemplados com o direito à
livre sindicalização. Ao militar, no entanto,
continuam proibidas a sindicalização e a greve.
O direito de greve dos
trabalhadores da iniciativa privada, portanto
regidos pela CLT (Consolidação das Leis do
Trabalho), é regulado pela Lei 7.783/89 (Lei de
Greve), que abrange os "servidores empregados"
das sociedades de economia mista e empresas
públicas.
A Lei 7.783 conceitua a
greve como "suspensão coletiva, temporária e
pacífica, total ou parcial, de prestação pessoal
de serviço a empregador" (artigo 2º); lista os
serviços considerados essenciais; e fixa os
requisitos para o exercício do direito.
A Lei também obriga os
sindicatos, os trabalhadores e o patronato a
garantirem, durante a greve, a prestação de
serviços indispensáveis ao atendimento das
atividades inadiáveis à comunidade, que são
aquelas que, não atendidas, coloquem em risco
iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança
da população; caso isso não seja observado, o
Poder Público assegurará a prestação desses
serviços.
A Lei ainda estabelece as
sanções para os casos de abuso do direito.
Serviço público
Quanto ao servidor público
civil da Administração direta, autárquica e
fundacional, o artigo 16 da Lei de Greve dispõe
expressamente que:
"Para os fins previstos no
artigo 37, VII, da Constituição, lei
complementar definirá os termos e os limites em
que o direito de greve poderá ser exercido".
O STF, em diversas
oportunidades, considerou que o inciso VII do
artigo 37 da CF, em sua redação original,
encerraria norma de eficácia limitada, sendo
certo que a exigência da lei complementar para o
exercício do direito de greve pelos servidores
públicos civis impediria a aplicação analógica
da Lei 7.783/89, em virtude da expressa
determinação impeditiva nela contida (artigo
16).
Em 4 de junho de 1998, o
Congresso promulgou a Emenda Constitucional 19
(reforma administrativa)
Para efeito comparativo e
de co-relações, veja como é o direito de greve
em alguns países da América do Sul, da América
do Norte (EUA, México e Canadá) e da Europa.
Mercosul
A Constituição argentina
garante apenas o direito de greve aos
sindicatos, sendo a matéria regulada pelo
Decreto 2.184/90, que limita o exercício do
direito de greve nas chamadas atividades
essenciais.
Há necessidade de
comunicação do início da paralisação à
autoridade do Ministério do Trabalho, com
antecedência de cinco dias. As partes devem
estipular em convenção coletiva a respeito da
prestação de serviços mínimos à comunidade.
No Chile, a greve é
permitida (artigo 19 da Constituição). Todavia,
há proibição nos serviços públicos e nas
atividades essenciais.
No ordenamento jurídico
uruguaio a greve é entendida como direito
sindical, sendo que a Lei 13.720 delega ao
Ministério do Trabalho a competência para
disciplinar os serviços essenciais que deverão
ser assegurados durante a greve.
América do Norte
Nos Estados Unidos, maior
economia do planeta, os 2,7 milhões de
servidores federais civis são impedidos de
parar. Em caso de descumprimento, o funcionário
é demitido sob a justificativa de prática
pessoal proibida, termo utilizado para outros
tantos atos considerados irregulares.
O maior embate envolvendo
servidores e governo ocorreu em 1981. À época,
controladores de vôo cruzaram os braços exigindo
melhores salários. A crise abalou o país e, como
resposta, o então presidente Ronald Regan
demitiu 11 mil profissionais, convocando
imediatamente os substitutos.
No México, o artigo 123 da
Constituição de Querétaro, de 1917, assegura
tanto o direito de greve quanto o lockout
(paralisação realizada pelo empregador com o
objetivo de exercer pressões sobre os
trabalhadores, visando frustrar negociação
coletiva ou dificultar o atendimento de
reivindicações)
No Canadá, o direito de
greve é expressamente reconhecido, sobretudo
quando o conflito não é resolvido mediante
consultas, negociações ou qualquer outro
procedimento existente.
Europa
Na Alemanha, existem cerca
de 4,6 milhões de servidores, e as regras são
rígidas. Uma lei estipula as remunerações e seu
conteúdo está sujeito a mudanças pelo
Legislativo a qualquer tempo — o salário pode,
inclusive, ser reduzido e a jornada de trabalho
ampliada.
Os servidores públicos
alemães não têm direito de fazer greve, mas
também não são exonerados — salvo em casos
extremos. Já os servidores contratados
(equivalentes no Brasil aos indicados por
confiança ou os terceirizados) têm status de
empregados, mas se houver crise financeira nos
municípios, estados ou União, perdem os cargos.
Na França, onde o conceito
de greve se confunde com cidadania e liberdade,
o direito é reconhecido, mas com certas
limitações. De acordo com o Código do Trabalho,
um aviso prévio de paralisação precisa ser
apresentado, por um ou vários sindicatos, ao
menos cinco dias úteis antes, especificando as
razões, o local, a data e a hora de início do
protesto — além da previsão de duração.
Os servidores franceses em
cargos de direção, os que atuam em áreas
indispensáveis à burocracia e lotados na
segurança pública podem ser obrigados a não
aderir. Os funcionários não recebem pelos dias
parados.
O mesmo acontece na Itália.
Os servidores civis públicos italianos, em caso
de greve, precisam manter os serviços essenciais
funcionando — transportes, por exemplo. As
faltas são descontadas no contracheque. O corte
de ponto pelos dias parados é prática comum
também no Reino Unido, onde existem 5.831
milhões de servidores públicos e o recrutamento
ocorre por meio de anúncios em jornais ou sites
especializados.
Na Espanha, a Constituição
(artigo 28) define a greve como direito
fundamental dos trabalhadores.
O direito de greve no
ordenamento espanhol é assegurado aos
funcionários públicos, mas há proibição em
relação aos membros das Forças Armadas e dos
corpos de segurança, por força da Lei 2, de
13/03/86. É importante assinalar que a redação
da norma constitucional espanhola é, na
essência, idêntica à elaborada no artigo 9º da
Constituição brasileira de 1988.
Em Portugal o artigo 58 da
Constituição reconhece o direito de greve,
competindo aos trabalhadores definir os
interesses que serão defendidos e seu âmbito.
Não é permitido o lockout.
História
A greve pode ser concebida
como uma das mais importantes e complexas
manifestações coletivas produzidas pela
sociedade contemporânea e está contida nos
direitos fundamentais da pessoa humana.
O vocábulo greve foi
utilizado pela primeira vez no final do Século
18, precisamente numa praça em Paris, chamada de
Place de Grève, onde se reuniam tanto
desempregados quanto trabalhadores que —
insatisfeitos geralmente com os baixos salários
e com as jornadas excessivas — paralisavam suas
atividades laborativas e reivindicavam melhores
condições de trabalho e de vida.
Na referida praça,
acumulavam-se gravetos trazidos pelas enchentes
do rio Sena. Daí o termo grève, originário de
graveto.
A história da greve surge a
partir da instituição do regime de trabalho
assalariado, resultante do fim do regime feudal
escravista e do advento do capitalismo, cujo
marco econômico foi a Revolução Industrial na
Inglaterra (1760 a 1850). Pode-se, então,
atribuir aos movimentos sindicais ingleses o
referencial inicial da história da greve.
Do ponto de vista político,
a Revolução Francesa (1789) é outro referencial
histórico que contribuiu sobremodo com o avanço
da luta dos trabalhadores no mundo.
Assim, a Revolução
Industrial na Inglaterra, a Revolução Burguesa
na França e a Filosofia Alemã produziram as três
fontes e três partes constitutivas do marxismo,
isto é, as fontes originais onde Karl Marx e
Friedrich Engels — precursores do socialismo
científico — beberam para conceber suas teses
sobre a evolução do capitalismo.
(*) Jornalista e assessor
parlamentar do Diap
Fonte: Agência DIAP
|