www.servidorpublico.net

Falácia do Déficit da Previdência Social

por Boletim da Frente Parlamentar em Defesa da Previdência — Última modificação 23/03/2007 01:29

Os críticos da previdência social omitem que o Legislador Constituinte sabiamente considerou que, num país com vasta mão-de-obra agrícola e urbana com baixos salários e ocupação precária, não é possível conceber um sistema de amparo à velhice, morte ou invalidez baseado exclusivamente em contribuições regulares dos trabalhadores. A precariedade do mercado de trabalho é um fator que limita as possibilidades de utilização de uma política baseada em princípios contributivos.

Há poucas semanas, uma verdade, há 16 anos demonstrada pela ANFIP, recebeu o endosso do presidente da República. Ao discursar para empresários Lula admitiu que as despesas que seriam de responsabilidade do Tesouro Nacional acabam sendo jogadas na conta da Previdência Social, o que gera o suposto déficit. “O déficit, portanto, é do Tesouro, e não da Previdência”, frisou o presidente da República.  A ANFIP tem demonstrado sistematicamente ao longo de todos esses anos que o chamado déficit resulta, na verdade, da inobservância dos pressupostos estabelecidos pelo constituinte de 1988, nos art. 194 e 195 da CF.

A formulação contestada pela Anfip, compara tão-somente a arrecadação da previdência e as despesas com benefícios.

Os críticos da previdência social omitem que o Legislador Constituinte sabiamente considerou que, num país com vasta mão-de-obra agrícola e urbana com baixos salários e ocupação precária, não é possível conceber um sistema de amparo à velhice, morte ou invalidez baseado exclusivamente em contribuições regulares dos trabalhadores. A precariedade do mercado de trabalho é um fator que limita as possibilidades de utilização de uma política baseada em princípios contributivos.

A Constituição Federal, ao definir o Orçamento da Seguridade Social, responsavelmente, estabelece uma pluralidade de fontes para arcar com o conjunto dos gastos em saúde, previdência e assistência social. Essa pluralidade está baseada em contribuições sociais incidentes sobre a folha de salários, na tributação do lucro (CSLL), do faturamento das empresas (Cofins) e de fatos outros, como a movimentação financeira (CPMF).

Ao idealizar essa pluralidade de fontes, o constituinte afastou a especificação. A previdência não deveria ser sustentada exclusivamente pelas contribuições sobre a folha de salários ou sobre os rendimentos do trabalho. Somente a pluralidade de fontes é capaz de, aquilatando a capacidade contributiva, melhor distribuir os encargos sociais para garantir os direitos relativos à saúde, previdência e assistência social.

A previdência social não pode ser segregada do conjunto Seguridade Social cujas contas foram sempre superavitárias ao longo dos anos. Em 2005, por exemplo, foram R$ 56,9 bilhões de superávit. Dados preliminares apontam para quase R$ 47 bilhões, em 2006, mesmo com uma grande ampliação do número de famílias beneficiadas pela transferência de renda, o que é extremamente salutar (Tabela – Power Point). Portanto, seria oportuno, senão obrigatório, não a discussão focada, por exemplo, na desvinculação do salário mínimo ou na linha desconstrutiva das regras constitucionais hoje existentes, sob a alegação da sua insustentabilidade fiscal, mas de um aprimoramento do sistema de Seguridade Social.

Uma visão holística da realidade brasileira é indispensável para que se deixe de encarar a Previdência como um compartimento estanque, que dependa apenas de si para gerar a sua própria saúde financeira. Mais do que isso, é necessário ter em mente que a Previdência Social - e, em dimensão mais ampla, a Seguridade Social – deve ser encarada como um investimento do Estado para produzir bem-estar social e, em contrapartida, para estancar o aguçamento de males que derivam de um país extremamente desigual, quais sejam: a violência, as pandemias, os grandes focos de miséria absoluta, que terminam inexoravelmente por deflagrar o caos social, notadamente nos grandes centros urbanos, com reflexos em todo o país.

Há outras questões de uma clareza límpida que poucas pessoas se dispõem a admitir. Uma das mais evidentes é a de que a saúde financeira da Previdência depende basicamente do desempenho da economia. Aqueles que dizem o contrário, de que a economia vai mal porque há um déficit na previdência querem iludir e desinformar a opinião pública, não querem participar seriamente do debate.  O desencontro de algumas opiniões dentro do próprio governo pode resultar na conclusão de que a intenção da mídia, ao falar insistentemente no assunto, seria a de gerar um clima favorável às reformas, atendendo a interesses de setores ligados à Previdência Privada.

Pressupostos que têm sustentado o sistema de previdência no mundo:
1) Que o nível de emprego formal seja sistematicamente elevado, através de um crescimento sustentado da economia;
2) Que haja uma tendência de elevação da remuneração média do trabalho, decorrente dos aumentos da produtividade que caracteriza o capitalismo; e
3) Processo de mobilidade social, ou seja, que a geração presente tenha um perfil de contribuição melhor que a geração passada.
No caso brasileiro, a situação é completamente inversa e a situação do nível de emprego no mercado legal é totalmente desfavorável, 53% da população ocupada ou 46 milhões de pessoas trabalham ilegalmente. Segundo o professor de economia da Unicamp, Cláudio Dedecca, é a falta desses pressupostos que tem comprometido a previdência no Brasil.

Além da falácia do ‘déficit’ outros pressupostos que são verdadeiros “mitos” da previdência também são utilizados para justificar as reformas estruturais:
• Mito 1: as contas individuais elevam a economia nacional.
• Mito 2: As taxas de retorno são mais altas nas contas individuais.
• Mito 3: os incentivos do mercado de trabalho são melhores na conta individual.
• Mito 4: os planos de benefício definido proporcionam necessariamente mais de um incentivo para se aposentar mais cedo.
• Mito 5: a competição entre os diversos fundos assegura baixos custos administrativos nas contas individuais.

Em 1999, Averting the old age crisis (Prevenindo a crise da terceira idade), publicação pioneira do Banco Mundial, é um artigo que desmascara esses mitos, implicando em que os argumentos quase sempre usados para promover a contabilidade individual de aposentadoria não são freqüentemente substanciados nem na teoria nem na prática.

As reformas nos sistemas de aposentadorias e pensões verificadas na América Latina, dentre elas, Chile e Argentina, em modelo baseado em planos de contribuição definida e gestão via mercado (contas individuais) não confirmaram na prática os pressupostos utilizados para promover as reformas.

v A concorrência entre os fundos privados não reduziu os custos e não tornou o sistema eficiente (em torno de 20%, quando ideal seria no máximo 1%);

v Apesar dos esforços, ao contrário do que se esperava, houve uma tendência à redução na incorporação de novos contribuintes ao sistema (em torno de 50% e remuneração de retorno pouco acima de 40%);

v A poupança nacional não aumentou.

Mesmo diante de tantas evidências, parte da mídia, parte dos economistas, apoiados pelo capital especulativo, não permitem afastar a hipótese de novas mudanças que sigam o trágico exemplo dos países vizinhos. Há uma diferença marcante entre um defensor da Previdência Social e um defensor de reformas na Previdência.

O primeiro atua no dia a dia para viabilizar o sistema, aperfeiçoá-lo, melhorar sua gestão e abrangência, resolver os seus problemas, estudando e pesquisando seriamente, com clareza e responsabilidade. O segundo almeja simplesmente substituir a organização existente, construída historicamente, por outro modelo que descarta o passado. Embora declarem preocupação de longo prazo, interessam aos reformistas “conservadores” as medidas de curto prazo, apressadas, adotadas em clima emergencial e irresponsável, pois favorecem os interesses que tiram proveito imediato das situações de incerteza da vida humana para captar recursos da população.

O reformista tem uma visão simplista, a visão fiscalista. Não pergunta qual o sistema de previdência que a sociedade quer para o futuro. Só vê a questão orçamentária do Estado e não o desejo da sociedade de construir uma proteção que considere adequada. O reformista só olha a previdência pelo lado do gasto e se esquece do financiamento. Este é o grande equívoco da visão fiscalista. Ela desconsidera a importância de fortalecer o financiamento da Previdência, melhorando a gestão, o mercado de trabalho, aproveitando o potencial contributivo propiciado pela estrutura demográfica atual que se manterá até 2020.

A visão fiscalista considera natural o tamanho da ilegalidade. Estamos alimentando um monstro que irá nos devorar no futuro. Teremos contingentes crescentes de pessoas com mais de 60 anos demandando benefícios, sem jamais ter contribuído para a previdência.

O resgate da seguridade social, as políticas de geração de empregos e a inclusão no sistema de mais de 30 milhões de brasileiros ocupados e com capacidade contributiva, são as principais ações que permitem a criação de condições para a retomada do desenvolvimento econômico e social porque redistribuem renda para aqueles que possuem menores rendimentos, incentivando o aumento da demanda e o consumo da produção local, como é o caso dos benefícios rurais que dinamizam as economias municipais e seus valores são superiores aos repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), em mais de 3500 municípios (64%).

Deve ser dada uma especial ênfase, também, para a questão institucional e gerencial, que necessita de um impulso decisivo para mostrar que a previdência pública é viável e é o mais promissor mecanismo de articulação entre a economia e a sociedade para promover o desenvolvimento.

Por que os governos têm promovidos tantas reformas?

“A visão fiscalista é socialmente nefasta, porque não produz uma solução adequada e destrói a limitada proteção social existente” – Dedecca.

Palestra Proferida por Ovídio Palmeira Filho –ANFIP no I Encontro Nacional Do MOSAP

Fonte: Boletim da Frente Parlamentar em Defesa da Previdência