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Previdência pública e privada devem conviver juntas

por Valor Online — Última modificação 08/04/2007 21:31

Dos países do Cone Sul, a Argentina foi o que demorou mais tempo, no passado, para implementar reformas em sua previdência social, embora tivesse sido um dos primeiros a sentir o impacto das mutações demográficas, com mais de 11% da população acima dos 65 anos de idade.

Previdência pública e privada devem conviver juntas

Dos países do Cone Sul, a Argentina foi o que demorou mais tempo, no passado, para implementar reformas em sua previdência social, embora tivesse sido um dos primeiros a sentir o impacto das mutações demográficas, com mais de 11% da população acima dos 65 anos de idade.

Há mais de 30 anos, os argentinos já presenciavam uma população expressiva de beneficiários, precocemente aposentados, a reclamar dos constantes rebaixamentos em seus proventos, desvalorizados seguidamente por níveis inflacionários insuportáveis. Os ajustes nos gastos do Estado com a seguridade social determinavam seguidos achatamentos, fazendo com que os idosos, antes bem situados pelos bons rendimentos de suas atividades, passassem a viver à deriva. Boa parte dessas aposentadorias precoces, alvos primários dos ajustes das contas públicas, tinha sua origem no funcionalismo público.

A experiência chilena do general Pinochet, que radicalmente substituiu a previdência estatal por um regime meramente privado, fez eco em todo o continente, despertando interesse de outros governos e de defensores do neoliberalismo, que viram ali uma boa oportunidade para que outros Estados pudessem se desincumbir dos idosos. Ora, no pensamento desses estudiosos - nunca passaram da teoria à prática -, pessoas são interessantes enquanto produtivas, enquanto geradores de renda para a sociedade. Segundo eles, não cabe à sociedade, senão a cada um, a responsabilidade pelo sustento de suas respectivas velhices, contrapondo-se ao mutualismo geracional dos regimes de repartição sempre presentes nos seguros sociais.

Os extremos são sempre perigosos. Da mesma forma que o "Welfare State" prosperou por pouco tempo nos países de maior renda, onde as necessidades primárias dos cidadãos encontram uma satisfação quase plena, a radicalização pela previdência privada não poderia, igualmente, durar mais do que um ciclo que, segundo o presidente Lula, é de 15 a 20 anos.

Poderíamos até estender esse ciclo um pouco mais, mas sem retirar as razões do entendimento do mandatário brasileiro. A privatização radical da previdência de Pinochet, por exemplo, precisou de 25 anos para sucumbir. E fez estragos não somente no Chile, onde a atual presidente Michelle Bachelet tenta consertar com ajustes oportunos e retomadas de obrigações por parte do Estado, mas também em seus vizinhos, como no Uruguai e na Argentina, que tentaram copiar, embora de forma descaracterizada, o modelo. O Brasil, por pouco, resistiu.

As reformas intentadas e produzidas pelo governo FHC estiveram muito próximas de dar vazão às teorias neoliberais desastrosas e que poderiam, neste momento, estar mostrando uma previdência social muito mais desgastada do que a que temos, apesar de não podermos desconhecer seus desequilíbrios e necessidades de correções. No fundo, ainda corremos esse risco, já que ainda soam pelos ares teorias de estudiosos que nunca saíram de bancos escolares para vivenciar a seguridade social prática. É preciso resgatar permanentemente, nas discussões, os fundamentos de Beveridge, em que a proteção à velhice assume a prioridade.

A verdade é que o modelo brasileiro, onde a previdência privada assume um papel complementar importante, sem, todavia, concorrer com a seguridade pública básica, desde a década de 70 apresenta-se ao continente como uma alternativa viável e bem-sucedida. Poderia ter sido copiada há mais tempo, mas nossos vizinhos preferiram tentar a solução mais agressiva, equiparada, em certos termos, ao modelo chileno. Uma segregação que encontra fundamentos históricos no Tratado de Tordesilhas, mas que não pode resistir ao Mundo globalizado, onde as experiências são trocadas dinamicamente.

E, como se esperava, seguindo o exemplo chileno, foi a vez da Argentina derrubar, sob uma chuva de papéis picados em seu Congresso Nacional, a teoria da privatização radical da previdência. O cidadão argentino volta a ter direito ao vínculo com um sistema estatal, com garantias de renda básica, embora alguns contestem o peso da medida sobre o orçamento público. A previdência privada continua seu caminho, mas sem exclusividade. Parece que, aos poucos, o sistema misto, com um regime público em repartição e um regime complementar privado em capitalização, será a tônica de todo o continente.

(As matérias Assinadas são de responsabilidade de seus autores, não refletindo, necessariamente, a opinião do Núcleo Atuarial de Previdência – NAP / COPPE / UFRJ. Sua reprodução é livre desde que mencionada a fonte.)
 
Fonte: Valor On Line