UNESP tem primeiro livre-docente em Educação Sexual do Brasil

Em 5 de junho, o professor Paulo Rennes Marçal Ribeiro, do Departamento de Psicologia da Educação da FCL de Araraquara, tornou-se o primeiro Livre-Docente do Brasil em Sexologia e Educação Sexual, defendendo a tese intitulada "O sexo nosso de cada dia: algumas reflexões sobre atitudes e comportamentos sexuais no Brasil Colônia a partir de documentos da inquisição".

Sua pesquisa teve por objetivo estudar as atitudes e comportamentos sexuais correntes na Colônia, a partir das confissões de delitos envolvendo práticas sexuais feitas por acusados pelo Tribunal da Inquisição, quando da primeira visita do inquisidor designado para o Brasil, de 1591 a 1595. Foram analisadas cento e oitenta e três confissões colhidas nos estados da Bahia e Pernambuco, das quais cento e vinte três de conteúdo sexual. Os delitos mais comuns eram sodomia, fornicação e adultério, cujas práticas e conseqüentes denúncias sugerem que o sexo praticado na Colônia não obedecia à orientação católica e tendia muito mais para práticas livres de restrições do que para a contenção e o recato.

Ribeiro em sua tese explica que, "ausente dos livros históricos oficiais, a ação inquisitorial contra delitos ou crimes sexuais fica à margem da versão politicamente correta que enaltece heróis, mas esquece das pessoas do povo que efetivamente contribuíram para a produção destes heróis. Os dois documentos estudados, assim como os demais escritos a partir das três visitações do Santo Ofício (a segunda foi em 1618 e a terceira em 1763), mostram o dia-a-dia das pessoas comuns, não obstante muitas delas pertencer à classe fidalga. Ali são retratadas histórias, sentimentos, desejos, dores, crenças de lavradores, pedreiros, artesãos, funcionários reais, donos de terras, costureiras, meretrizes, donas de casa, viúvas, esposas de fidalgos, brancos (as), mestiços (as), mulatos (as), enfim, de todas as gentes do Brasil".

Para ele "As Confissões são claras ao mostrar que o sexo tinha valor para os brasileiros e brasileiras. O sexo movido pelo desejo, o sexo nosso que não podia deixar de ser feito. Cento e vinte e três confissões envolvendo práticas sexuais são um número significativo, não tanto pela representatividade estatística, mas principalmente pela riqueza dos detalhes, pela variedade das práticas e pela contenção exigida pela Igreja, esta última, mostrando que se havia zelo de sua parte para coibir o sexo é porque ele era largamente praticado".

Além de conceder o primeiro título de Livre-Docente em Sexologia e Educação Sexual do país, a UNESP tem se destacado nesta área com significativa produção acadêmica e científica, realizando pesquisas desde a Iniciação Científica até o Doutorado, publicando livros, organizando eventos e reuniões científicas, efetivando intercâmbios com outras universidades.

Na Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara o Núcleo de Estudos da Sexualidade (NUSEX) saiu à frente e em sete anos de existência têm participação ativa junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar com o oferecimento de disciplinas, dez dissertações e teses defendidas e sete orientações em andamento, além de publicação de livros, realização de eventos e intercâmbios efetivos com instituições do Brasil e do exterior.

No Instituto de Biociências, em Rio Claro, a professora Célia Regina Rossi coordena o GESEX - Grupo de Estudos de Sexualidades. Na Faculdade de Ciências de Bauru, são os professores Ana Cláudia Bortolozzi Maia e Ari Fernando Maia que desenvolvem pesquisas sobre sexualidade. Na Faculdade de Filosofia e Ciências de Marília temos o professor Hugues Costa de França Ribeiro, e na Faculdade de Ciências e Tecnologia, em Presidente Prudente, os estudos sobre sexualidade são encabeçados por Arilda Ribeiro, Maria de Fátima Salum Moreira e Renata Libório. Em Assis, na Faculdade de Ciências e Letras, há o GEPS - Grupo de Estudos e Pesquisas sobre as Sexualidades, coordenado por Fernando Silva Teixeira Filho e Wiliam Siqueira Peres.

Para o professor Paulo Rennes, é essencial a integração dos grupos de pesquisa da UNESP que atuam no campo da sexualidade e da educação sexual e o reconhecimento oficial por parte da Reitoria e das Pró-reitorias de Pós-graduação e de Pesquisa que esta é uma área em franco desenvolvimento e que não é possível ignorar o pioneirismo da nossa universidade.

Sobre outros títulos de Livre-Docente na área, somente se tem notícia da Universidade Gama Filho, no Rio de Janeiro, que na década de 1990 realizou alguns concursos de Livre-Docência em Sexualidade Humana. No entanto, especificamente em Educação Sexual, o pioneirismo da UNESP merece destaque.

Paulo Rennes Marçal Ribeiro é psicólogo formado pela PUC-Campinas e especialista em Psiquiatria e Psicologia Clínica da Infância pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), onde também obteve o título de doutor em Saúde Mental. É licenciado em Pedagogia e mestre em Educação pela Faculdade de Educação da UNICAMP, e cursou pós-doutorado em Saúde Mental no Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). É professor do Departamento de Psicologia da Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar da Faculdade de Ciências e Letras da UNESP, em Araraquara, onde coordena o NUSEX - Núcleo de Estudos da Sexualidade. É autor de Educação sexual além da informação (E.P.U., 1990) e organizador de Sexualidade e educação: aproximações necessárias (Arte & Ciência, 2004), além de outros livros nos campos da Saúde Mental e da Educação Sexual. É também pesquisador do CNPq.

Portal Universia: Qual a importância do estudo histórico da sexualidade brasileira? O que diferencia o seu trabalho de Livre-Docência dos demais feitos a partir de um recorte exclusivamente localizado na contemporaneidade?

Paulo Rennes: Primeiro, nossa historiografia da Educação Sexual é incipiente, é importante organizar e sistematizar a enorme quantidade de documentos esparsos e obras que existem desde os tempos da Colônia, que reunidos em um corpus de análise possibilitarão o resgate do desenvolvimento e da institucionalização dos saberes sexuais no Brasil. A pesquisa que realizei na Livre-Docência faz parte de um significativo conjunto de pesquisas desenvolvidas em várias universidades brasileiras, no entanto a maior parte delas está sendo feita por historiadores em faculdades ou programas de pós-graduação em História. Talvez minha pesquisa se destaque por estar inserida em um programa de pós-graduação de Educação e mostrar que estudos sobre Sexualidade e Educação Sexual têm muita importância para a área de Educação.

Universia: O tema sexualidade humana tem estado muito em voga tanto na mídia quanto na sala de aula. Corre-se o risco de discussões vazias e que não passam de reprodução do senso-comum?

Rennes: Sim, com certeza se corre este risco, particularmente porque não temos espaço para a formação do orientador sexual, nem mesmo espaço para que professores da rede de ensino possam estudar ou adquirir conhecimentos no campo da sexualidade. Os Parâmetros Curriculares Nacionais por um lado apresentam a importância da Orientação Sexual como tema a ser discutido na escola, mas os órgãos governamentais ainda não investiram na formação ou na capacitação sistemática, planejada e organizada de professores para atuar nesta área. Não existindo esta formação, o professor utiliza o senso comum, se baseia em entrevistas que vê na TV, lança mão exaustivamente de seus valores e preconceitos, prejudicando os alunos muito mais do que orientando.

Universia: Como e onde o professor em atividade pode buscar informações sobre esse tema? Como deve se informar?

Rennes: Considerando a escassez de cursos formadores em Orientação Sexual, resta ao professor interessado buscar esta formação a partir de leituras de obras específicas, contatar universidades que tenham grupos ou núcleos de pesquisa, participar de disciplinas ou cursos nestas instituições. Os que estiverem em grandes centros, encontrarão organizações não governamentais ou associações científicas que oferecem cursos de capacitação e até especialização, mas geralmente são cursos pagos, o que dificulta o acesso de todos. Na verdade, o que é preciso é o governo, por meio de suas Secretarias de Educação, incentivar e oferecer cursos de formação, do contrário continuaremos a ter a prevalência do senso comum e a manutenção dos preconceitos quando é proposta alguma intervenção em orientação sexual na escola.

Fonte: Unesp