O Regime de Previdência do servidor público do estado de São Paulo

Por Augusto Massayuki Tsutiya

Para uma discussão mais apurada dos problemas advindos da criação do SPPREV, há que se fazer um histórico acerca do sistema de previdenciário do servidor público, para se entender o que foi proposto na Emenda constitucional nº 41/2003 (federal) e está sendo implementado.
O embrião do sistema previdenciário brasileiro atual foi criado pelo Presidente Getúlio Vargas, que o dividiu em dois: público e privado.
No setor privado, foi criado um sistema na filosofia de seguro social, que previa o tríplice custeio: (1) Trabalhador, (2) Empregador e (3) O Estado (se ocorrer insuficiência de fundos para fazer frente ao pagamento de benefícios previdenciários).
Para o setor público, considerando que os servidores trabalham para a comunidade, representado pelo Estado, necessário se fez impor restrições à cidadania plena, em face das serventias naturais da profissão civil e militar. Para compensar, assegurou duas vantagens
importantes: a estabilidade e a aposentadoria integral (pelo último salário ou vencimento). Nesse sistema, não havia contribuição do servidor para o sistema previdenciário, haja vista que este não existia. Os servidores públicos somente contribuíam para o pagamento da pensão por morte e para assegurar o tratamento de saúde.
Esse panorama perdurou até os meados da década de 1980. A União começou a ter dificuldade financeira para honrar a sua obrigação. A partir daí, instituiu-se contribuição obrigatória para os servidores ativos, nos mesmos moldes adotados pelos trabalhadores assalariados. Todo o dinheiro arrecadado compunha o orçamento fiscal. Não existia, portanto, um sistema previdenciário do setor público.
A crítica dos setores liberais, com destaque uma publicação da Revista Veja, de 22/1/2003, apontava um déficit de 70 bilhões, em 2002, na Previdência Social, dos quais 53 milhões do setor público e 17 bilhões no setor privado. Iniciam-se, assim, os debates para a reforma do sistema previdenciário dos servidores públicos. Não seria bem uma "reforma", haja vista que só se reforma algo pré-existente. Não é o caso presente, pois não existia sistema
previdenciário, mas o modelo criado por Getúlio Vargas.
O regime previdenciário dos servidores públicos foi criado pela Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003. Adotou-se um sistema análogo ao regime geral de previdência social, dos trabalhadores da iniciativa privada. O sistema de custeio conta com a participação dos servidores ativos, inativos, pensionistas e do Estado. O regime é de repartição simples, embasado no princípio da solidariedade, em que uma geração contribui para pagar os benefícios de quem se encontra inativo. Trata-se de uma solidariedade entre gerações.
O princípio do equilíbrio financeiro e atuarial rege o regime de previdência criado. Isso implica que as receitas auferidas devem cobrir as despesas com o pagamento de benefícios. Caso haja desequilíbrio restam duas alternativas:
(1) aumento de receitas, com o aumento da contribuição;
ou (2) diminuição das despesas com o achatamento das aposentadoria.
No setor privado, o equilíbrio é geralmente mantido com o achatamento no valor dos benefícios e a fixação de regras que impedem ou restringem a obtenção de benefícios. Justamente para gerenciar o regime de previdência dos servidores públicos civis e militares, está sendo proposta em São Paulo a criação pela Lei complementar 30/2005, o SPPREV.
Neste sistema, somente os servidores públicos titulares de cargo efetivo e os militares estão incluídos. Os servidores temporários, enquanto perdurar a decisão judicial. Os não efetivos estão excluídos do referido sistema e pertencem ao regime geral de previdência social dos trabalhadores do setor privado.
È justamente esse princípio do equilíbrio financeiro e atuarial que governa o regime de previdência dos servidores públicos o grande desafio a ser enfrentado.
De início, há que se indagar: como será feito o pagamento dos atuais servidores inativos sem comprometer o equilíbrio financeiro e atuarial da SPPREV, haja vista que essa autarquia será responsável pelo pagamento? Poder-se-ia afirmar que o Estado deverá complementar o fundo, em vista da insuficiência de recursos para o pagamento de benefícios, como se encontra previsto na LC nº 30/2005. Num sistema de seguro, há que haver um fundo previsto e reservado para as contingências que porventura surgirem. O caso dos inativos do serviço público é parecido com os trabalhadores rurais, que se aposentam por idade, sem nunca terem contribuído para a previdência do setor privado, por determinação legal. Tendo em vista o princípio do equilíbrio financeiro atuarial, os segurados da previdência social vêm sofrendo achatamento nos seus benefícios. Esse benefício deveria ser arcado pela Assistência Social, com verba oriunda do orçamento fiscal já detectado pelo governo federal, o que se pode aferir pelas declarações do presidente Lula, que afirma que o déficit da Previdência é política social, opção do povo brasileiro na Constituição Federal de 1988. Infelizmente, nada ainda foi proposto e nem implementado.
Estamos diante do mesmo problema. É óbvio que as receitas que vão ser arrecadadas serão insuficientes para fazer frente ao pagamento dos inativos. Assim, para operacionalizar o equilíbrio de contas restarão duas alternativas:
(1) aumentar as receitas, com o aumento da contribuição do servidor e
(2) diminuir as despesas, com a criação de regras que inviabilizem ou restrinjam a obtenção de benefícios, e o achatamento dos valores dos benefícios. É o que vem acontecendo no regime de previdência do trabalhador do setor privado (INSS).
O ideal é que o Estado arcasse com as aposentadorias e pensões dos atuais servidores, alocando fundo especialmente para fazer frente a essas despesas. O atual sistema seria aplicado aos servidores ingressantes após a Emenda Constitucional nº 41, 19 de dezembro de 2003, que efetivamente criou o regime de previdência do servidor público.
A questão não é só essa. Haja vista a Emenda constitucional nº 41/2003, foram criadas duas formas de aposentadoria no serviço público, em relação à aposentadoria por tempo de contribuição, espécie mais numerosa, a saber:

# Antes da EC nº41/2003, de 19 de dezembro de 2003 - Aposentadoria integral, para os que ingressaram no serviço público, titular de cargo efetivo, que cumpram os requisitos previstos na legislação.
# Após a EC nº 41/2003 - A aposentadoria seguirá os parâmetros do regime geral de previdência social (INSS), com um teto de aposentadoria, que atualmente é de R$ 2.894,82.

Se a SPPREV pagasse somente os benefícios dos ingressantes no regime, após a sua criação, com uma administração eficiente poder-se-ia viabilizar o sistema. O problema é quem já estava no serviço público antes da criação da SPPREV, que irá se aposentar integralmente, com pouco tempo de contribuição para o sistema, haja vista que somente contribuía para o IPESP, para o pagamento da pensão por morte aos seus dependentes e para o serviço de saúde, modelo criado por Getúlio Vargas. Como atingir o equilíbrio financeiro e atuarial do sistema, se a maioria dos servidores, há muito no serviço público, não contribuiu para o sistema. Haverá necessidade de repassar os valores depositados no IPESP, com a devida regularização da
dívida do Estado com aquele órgão.
Isso demonstra a necessidade de se discutir a operacionalização do sistema, concomitantemente com a criação do órgão que vai gerenciá-lo. Prevendo a extinção do IPESP, a LC 31/2005 regulamenta a pensão por morte aos dependentes do servidor público falecido.
Para a implantação do novo sistema, haverá de ser criada a Previdência Complementar Pública, no sistema de capitalização, para complementar a aposentadoria dos novos servidores, que terão o seu benefício limitado ao teto previsto no regime geral de previdência social (INSS).
A questão do IPESP merece estudos mais aprofundados. Além da pensão do servidor público, o IPESP administra as carteiras de aposentadorias dos advogados, economistas e cartorários. Com a sua extinção, como serão alocados os seus recursos? Esta é uma das questões, haja vista que a pensão por morte será repassada para o SPPREV, que faz parte do sistema previdenciário.
Outros problemas, como de representação no órgão diretivo, já foram exaustivamente discutidos pelas entidades.
No tocante às universidades paulistas, trata-se de uma especificidade, já que possuem orçamento próprio, com a alocação de uma parcela do ICMS. Como prevê o art.31, parágrafo único do PLC nº 30/2005, o Estado deverá repassar o dobro da contribuição do servidor para o SPPREV. Se se adotar o mesmo sistema da União, 22% do que for pago ao servidor público efetivo deverá ser repassado ao SPPREV. Será que o orçamento das universidades suporta esse novo gasto? Por outro lado, o pagamento dos inativos fica por conta do SPPREV. Será que o SPPREV suporta esse ônus? Dessa forma, há necessidade de se discutir o problema da universidade em separado, em face de sua especificidade.
 

* Augusto Massayuki Tsutiya é engenheiro civil, advogado, mestre e doutor em Engenharia. Foi docente da Unesp nos campi de Ilha Solteira e Guaratinguetá. Foi diretor da Adunesp (gestão 94-96). Atualmente, exerce o cargo de Procurador Federal em São José dos Campos e é professor dos cursos de pós-graduação em Direito e serviço Social na Universidade de Taubaté/SP.