14 de março de 2007

Divulgamos o texto do GTPE do Andes-SN que descreve e critica o Sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB) para conhecimento de nossos associados. O Sistema UAB está em implantação nas federais com expansão prevista para as universidades estaduais e municipais a partir do próximo ano.

 

Campina Grande - PB, 28 de fevereiro de 2007.

Companheiros,

O texto anexo, que descreve e critica o Sistema Universidade Aberta do Brasil, é uma produção da coordenação do GTPE do ANDES-SN. Trata-se de um texto, ainda em elaboração, que deve ser parte constituinte da Brochura sobre EaD a ser lançada  brevemente pelo Sindicato.

O Sistema UAB está numa fase crítica de implantação, afetando, no ano de 2007, a vida de quase meia centena de IFES; já, no próximo ano, a expansão se dará para IEES e IMES. Julgamos, portanto, que o compartilhamento das informações, já contidas no texto, pode ajudar o movimento docente a melhor combater as iniciativas em curso dentro de cada IES. Estas levarão, indubitavelmente, a uma ainda maior desqualificação da Educação Superior, que é necessário compreender, ao situá-las num contexto mais amplo, referente ao EaD e às investidas governamentais que visam ampliar vagas sem o devido financiamento.

Coordenação do GTPE (Grupo de Trabalho de Política Educacional)

 

UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL: faz-se necessário denunciar o engodo.

 

    Dada a abrangência da proposta para a sua implantação, e dado, também, o açodamento com o qual está sendo implementada, a, assim chamada, UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL (UAB) constitui-se, hoje, numa das maiores ameaças que a educação superior do país já enfrentou. Por outro lado, são essas próprias características de sua implantação que podem significar o descrédito para o ensino a distância como um todo, no médio prazo, ou seja, em 2 a 3 anos. Entretanto, o estrago que, potencialmente, será causado à Educação Superior Pública, mesmo nesse prazo relativamente curto, requer um amplo processo de esclarecimento da sociedade e um combate decidido desta ameaça, que avança celeremente. Nesse processo não devem ser deixados de lado. também, os danos pessoais que podem advir para  milhares de estudantes, que se iludiram com os apelos, muito chamativos num primeiro momento da proposta UAB.

 

    O primeiro equívoco a ser desfeito é que não se trata, de modo algum, de uma  “universidade”: a UAB não é definida como uma instituição[1], nem há, e não haverá, pesquisa e extensão sendo executadas por essa entidade, propriamente dita. Desde o início, o próprio discurso oficial sempre salientou que a UAB seria constituída como um “Sistema”, consorciando as IES, nos três níveis da federação, com municípios que desejassem contribuir, por meio  do estabelecimento de Pólos de apoio, para o avanço do EaD na Educação Superior. Deste modo, a UAB não tem, ao menos, sede definida, não tem funcionários próprios e trabalha intermediando bolsas para professores e tutores, vinculados, ou não, a outras instituições.

 

    A situação da UAB é, assim, totalmente diferente de projetos de  “Universidades Abertas” constituídas pelos respectivos Poderes Públicos em vários outros países, à frente a “Open University” britânica (OU)[2], instituição que está se aproximando da marca de meio século de existência. Tanto ela, quanto a “Universitat Oberta de Catalunya” (UOC)[3] colocam claramente que, enquanto universidades, se pautam pelo tripé “ensino-pesquisa-extensão”, embora realizem pesquisas mais voltadas à própria Educação a Distância. Ademais, ambas universidades européias dispõem de corpo docente próprio. A catalã, de meados da década de 90, ainda está em plena fase de consolidação[4], conforme sua própria reitora, Imma Tubella; a UOC. fazendo parte do sistema catalão de universidades públicas, ACUP, é considerada pelas demais universidades, todas presenciais,  como um elemento complementar nesse sistema.

 

    Evidentemente, existem hoje também muitas, assim chamadas, universidades abertas ou, mais recentemente, virtuais, que são de cunho comercial e têm o empresariado como dono, já que a Educação Superior está sendo encarada como um setor dos, assim chamados, serviços, bastante atrativo para investimento privado, especialmente o transfronteiriço. São exemplos desse caso as "Open

Universities Australia", bastante recentes e de propriedade de  sete universidades particulares, e a "Arab Open University".

 

    No outro extremo está a Open University Finland, totalmente aberta a quem queira participar, oferecendo cursos disponibilizados por 19 universidades públicas finlandesas; o único alerta é que os cursos são dados em finlandês ou sueco.

 

Um pouco da história da UAB

 

     A proposta do sistema UAB data de 2005, embora já no ano anterior, por meio da criação do Fórum das Estatais pela Educação[5] (setembro de 2004), tivessem sido dados os primeiros passos para sua caracterização. Tal Fórum tem a coordenação geral do Ministro Chefe da Casa Civil, a coordenação executiva do Ministro da Educação e a participação  “efetiva e estratégica das Empresas Estatais brasileiras”, entre elas todos os bancos ainda públicos, além da FINEP e EMBRAPA, todas as empresas de energia elétrica ainda públicas, em particular também ITAIPU e, adicionalmente, a ECT, o SERPRO, INMETRO e COBRA.

 

   Ainda em 2005, o Fórum propôs a criação de uma Fundação privada com o objetivo específico de dar apoio à UAB, em todas as ações que dela fossem demandadas, e foi dado início à primeira fase de implantação do  “sistema”, por intermédio de convênios com várias IFES e IEES, visando à diplomação de funcionários do BB e outros, em cursos-piloto de graduação em Administração por EaD, iniciados em 2006 e ainda em andamento.

 

    O Edital nº 1 da Secretaria de Educação a Distância do MEC (SEED, dezembro de 2005) buscou organizar a  “UAB”, de forma mais definitiva, por meio de uma chamada para que os municípios oferecessem “Pólos de apoio presencial” e as Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) desenvolvessem cursos de interesse daqueles municípios, a serem oferecidos em 2007.

 

    Em 8 de junho de 2006, a UAB foi tornada efetiva pelo Decreto Presidencial nº 5800 e, ainda declaradamente em “caráter experimental”, em 2007 começarão a funcionar os 297 “Pólos de apoio” selecionados a partir do Edital, oferecendo mais de 80 mil vagas para cursos de graduação e também especialização e aperfeiçoamento, caracterizados, em geral, como pós-graduação lato sensu.  Tais cursos foram organizados pelas 47 IFES que decidiram colaborar com a UAB; destas, 36 são universidades e 10 são CEFETs e uma é uma instituição de pesquisa, a FIOCRUZ, que, em 2007, oferecerá dois cursos especializados em muitos municípios brasileiros.

 

    Demonstrando o açodamento acima referido, já em novembro de 2006, o MEC lançou mais um Edital de Seleção de “Pólos Municipais de Apoio Presidencial e de Cursos Superiores”, para cursos com início em 2008, desta vez já explicitamente como UAB, excluindo o termo “experimental” e convocando, não mais apenas IFES, mas também IEES e IMES para a “integração e expansão do sistema UAB”. Desta forma, em menos de 3 anos, a UAB é catapultada de um projeto-piloto, já com 10 mil vagas, para um projeto instalado, com um número de vagas equivalente ao das vagas para cursos de graduação presencial, oferecidas em todo o sistema IFES, ou seja mais de 100 mil, o que projeta, de saída, 400 mil matrículas, mesmo que não haja expansão de novos cursos; esse número deve ser excedido, pois certamente ocorrerá a habilitação de novos Pólos e cursos nos próximos 4 anos, duração, por enquanto, ainda prescrita para a graduação virtual.

 

    Um pecado original está, adicionalmente, colado à UAB, possivelmente também associado à pressa mencionada: as IFES e, provavelmente também as IEES já envolvidas com o curso-piloto, foram, e continuam sendo, pressionadas, por fora de seus mecanismos institucionais a aderirem à UAB. Na verdade cooptam-se as Pró-Reitorias de Graduação, com o aceno de novos claros docentes, além de grupos específicos de pesquisa, esses, primordialmente, com vantagens pecuniárias. Os Conselhos são apenas chamados em estágios adiantados das negociações para chancelar o que praticamente já fora decidido, informalmente, segundo interesses específicos de setores das IES, sem um aprofundamento da discussão e, principalmente, sem uma análise das conseqüências mais amplas das decisões tomadas.

 

Pólos e Cursos

 

    A dimensão projetada para a UAB, conforme acima informado, excede, em muito, o que se verifica na Europa para cursos baseados em mídia eletrônica; segundo o estudo Megatrends in e-Learning Provision [6], apenas uma desconhecida e comercial “Learn Direct” atinge números como 400 mil matrículas; a “Open” britânica contabiliza, ao todo, meros 11 mil estudantes em estudos virtuais; a universidade catalã tem 94 mil estudantes; e a Universidade Virtual de Barcelona conta com 21,9 mil matrículas. As demais IES européias de e-learning contabilizam menos de 45 mil matrículas,cada uma, portanto atendem um décimo daquilo que a UAB pretende atingir, num horizonte de menos de 4 anos. Na verdade, das 27 instituições européias citadas como sendo as maiores no estudo MegaTrends, executado por um consórcio de universidades que já oferecem EaD, apenas 5 concentram um número total de estudantes que exceda 15 mil.

 

    Outros dados interessantes podem ser extraídos do estudo acima mencionado: um número expressivo dessas 27 instituições deve estar lutando com dificuldades, pois, pelo menos 13 delas, ou seja da ordem de metade, não contabilizam, em média, mais do que 50 estudantes por curso, havendo casos extremos, como o de duas universidades inglesas, a de Leicester e a de Ulster, que, novamente em média, têm, respectivamente, 7 e 6 estudantes por curso. Turmas tão pequenas, provavelmente, significam alto índice de abandono, fenômeno bastante bem documentado para EaD, especialmente para matrículas de estudantes jovens em sua primeira graduação. Mesmo a muito conceituada ”Open University” britânica tem, em média, apenas 29 estudantes matriculados em cada um dos 375 cursos que oferece. Neste ponto vale alertar que, na denominação inglesa, course se refere a uma disciplina e não a um curso de graduação; se houver pesquisa no sítio da "Open" britânica, notar-se-á que vários cursos foram descontinuados, possivelmente por falta de inscrições.

 

    Quanto à UAB, a análise dos cursos oferecidos nos Pólos selecionados, cuja relação, sem a necessária especificação, foi divulgada no dia 31 de outubro de 2006[7], demonstra algumas das conseqüências da pressa para a implantação e, por outro lado, também a situação de penúria vivida, tanto pelos municípios mais pobres quanto pelas IFES menos influentes; desconstroem-se, assim e de imediato, algumas das falácias com as quais o projeto UAB foi enfeitado. Ao contrário do que foi propalado, os cursos são ofertados principalmente nas regiões Sul e Sudeste, as mais providas de cursos presenciais. No primeiro semestre de 2007, entre Sul e Sudeste, estão concentrados 82 dos 150 Pólos, portanto mais da metade(!). Campeão absoluto é o Rio Grande do Sul, com 22 Pólos. No outro extremo, a região Norte, tão necessitada, conta nos seus 7 estados, alguns de vasta extensão territorial, com apenas 23 pólos para o primeiro semestre de 2007, sendo notável haver apenas 2 no estado do Amazonas. Para o segundo semestre de 2007 a situação é apenas ligeiramente mais balanceada, havendo 65 Pólos adicionais a entrarem em funcionamento nas regiões Sul e Sudeste, contra 29 na região Norte; contudo o Amazonas, novamente, abrirá apenas mais 2 Pólos, perfazendo, ao todo, somente 4.

 

    Mais constrangedora, ainda, fica a situação para as pretensões do governo quando são destacados os cursos a serem ofertados nestes Pólos. De modo geral, verifica-se extrema reticência entre as IFES maiores, mais antigas, e mesmo entre várias[8] das que, sabidamente, estiveram envolvidas com  EaD, mesmo antes de ser lançada a UAB. Em particular, as licenciaturas em Física, Matemática, Química e Biologia não são as graduações mais prevalentes, frustrando possivelmente  a expectativa do MEC de, rapidamente, fechar a enorme lacuna em relação a professores dessas áreas. Isto, do ponto de vista da sociedade pode, entretanto, ser uma vitória, pois muitas vozes se levantaram contra a formação inicial de jovens, especialmente para profissões tão demandantes, sem uma orientação presencial segura por mestres mais experientes. Neste sentido vale ressaltar o fato da UnB não oferecer qualquer das licenciaturas citadas; a UFSC oferecer apenas Ciências Biológicas e, isto em somente 3 Pólos, e a UFC oferecer apenas Química e Matemática e em apenas alguns dos municípios atendidos. Na verdade, foram somente as IFES menos tradicionais, no caso a UFPI, o CEFET-PA, e a UFS que se prontificaram a oferecer todas as quatro licenciaturas requisitadas.

 

     Apenas mais recentemente, o MEC disponibilizou em seu sítio, mas com acesso somente de forma indireta[9], maiores informações sobre os cursos, sob o título Resultados do 1.o Edital-articulação PólosxIFES. Assim, pode-se distinguir, finalmente, quais são os cursos de graduação e de qual tipo são os demais cursos aprovados.

 

    Ilustrando, ainda mais, a reticência acima referida, a UFPR pretende oferecer  exclusivamente o curso denominado Saúde para Professores da Educação Básica em, 11 municípios do próprio estado do Paraná; a UFSC se dispôs a atender 7 pólos no PR, 2 no RS,1 em cada dos estados, MG e MS, e apenas 2 em Santa Catarina, propriamente (Treze Tílias e Videira). O caso mais interessante é, possivelmente, o da UnB. Essa IFES propôs 7 tipos de cursos, sendo 6 Licenciaturas e 1 Bacharelado, a serem oferecidos em pólos de diversos estados, mas nenhum no próprio Distrito Federal, onde abundam IES particulares. O Bacharelado da UnB é o de Administração, possivelmente o mesmo já em andamento como curso-piloto; apenas 2 das Licenciaturas são em assuntos de maior procura e, talvez, mais facilmente adaptáveis ao EaD, Pedagogia e Letras-Português. Intriga como a UnB vai estruturar as Licenciaturas de Educação Física (em 8 Pólos), Artes Visuais (em 9 Pólos), Teatro (em 3 Pólos) e Música (em 2 Pólos) no esquema EaD...

 

    Há oferta de alguns cursos, segundo pode ser verificado na relação original de cursos e Pólos publicada em outubro de 2006, que indicam propostas aprovadas, que são, para aquilo que existe hoje, no mínimo inovadoras. Assim, a UFES, dentre os 17 cursos que propôs, lista um de “Filosofia, Psicologia e Medicina”, este não mais arrolado na lista PólosxIFES, e outro de “Gestão de Entidades sem Fins Lucrativos”; a UFSJ tem “Educação Empreendedora”; a UFC apresenta “Direito a Diversidade”; a UFF tem “Empreendedorismo e Inovação”; a UFSC propõe “Formação de Professores de Tradução” (para qualquer idioma ?!);e a UFPR lista “Saúde para Professores da  Educação” como cursos a serem ofertados, quase todos, na verdade, como pós-graduação lato sensu.

 

Milagre: mais uma expansão sem o devido financiamento

 

    A idéia original do Fórum das Estatais, como foi colocado anteriormente, era repassar os recursos para a UAB por intermédio de uma Fundação privada[10], o que possibilitaria as conhecidas manobras financeiras, características deste tipo de entidade. Aparentemente, tal intento não prosperou.

 

    Já no Decreto 5800/06, o governo se pronuncia sobre o financiamento referindo-o ao Tesouro Nacional e ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). De fato, no comecinho do presente ano, em 02/01/07, é publicada a Resolução n° 44 do FNDE, estabelecendo orientações e diretrizes para a concessão de bolsas de estudo e pesquisa a participantes [...]. no âmbito do Sistema UAB [...] a ser executado pelo FNDE, no exercício de 2006(?!). Essa Resolução detalha, em 5 páginas, as responsabilidades de cada ente do referido “Sistema”; apresenta, ainda, os valores a serem pagos por meio do FNDE a cada um dos profissionais disponibilizados por esses entes à UAB. Os valores são exatamente os mesmos anteriormente mencionados no ante-projeto da tal Fundação privada, ou seja, R$ 1200,00 mensais para coordenadores ou professores/pesquisadores (antes chamados de conteudistas...) e R$  600,00 para tutores a distância; R$ 900,00 para coordenadores de Pólos e R$ 500,00 para tutores presenciais.

 

    Os valores totais desembolsados não estão explícitos nesta Resolução, mas  fazendo as contas a partir de um detalhamento um pouco maior, antes encontrado no ante-projeto da tal Fundação, deduz-se que são da ordem de, apenas, cem reais por aluno por mês. Isto significa que o governo pensa em proporcionar Educação Superior aos jovens deste país por um valor equivalente aos míseros recursos destinados a cada aluno do sucateado Ensino Fundamental.

 

    Deste modo, parece que o governo pretende, por milagre, convencer a sociedade que cumprirá a meta do PNE em vigor, de atender, com vagas públicas, parcela importante dos 30% de jovens, entre 18 e 24 anos, que deveriam estar na Educação Superior, até o ano de 2011.

 

    Por outro lado, nem tudo que se refere à UAB tem um financiamento tão reduzido. Uma visita à página Transparência Pública do próprio MEC nos ensina que há outros atores em jogo. Procedimentos que dispensam licitações concederam, por exemplo,em 29/12/06, à Fundação  Empreendimentos Científicos e Tecnológicos, ligada à UnB, contratos de, respectivamente. R$ 416,4 mil e de R$120,0 mil, à título de cooperação técnica para implantação da UAB.

 

 Público-alvo e ingressos

 

    Segundo o sítio do MEC, o público-alvo da UAB são todas as pessoas que tenham completado o Ensino Médio, independentemente de idade e condição social. Por outro lado, segundo as declarações oficiais (vide Decreto 5800/06 e os dois Editais), visam-se, especialmente, estudantes que queiram seguir carreira no magistério da Educação Básica ou funcionários públicos à busca de aperfeiçoamento. Os cursos pretendem ser gratuitos e caracterizarem-se como de graduação, sequenciais, extensão, pós-graduação lato sensu e, até mesmo, mestrado ou doutorado.

 

    Curiosamente, no rol de cursos, apresentados pelo MEC em outubro de 2006 como aprovados para oferta em 2007, não havia, ao lado do nome do curso, qualquer especificação sobre o tipo de curso de que se tratava. Tal informação apenas pode ser acessada mais recentemente, quando a pesquisa é feita por IES ofertante. Pior: se houver comparações, com ofertas em instituições designadas como universidades abertas em outras partes do mundo, ficará estabelecida uma enorme confusão, pois o que é denominado de curso lá (course em inglês...) é, conforme já comentado, cada disciplina e uma graduação é um conjunto dessas disciplinas, em geral contendo muitas optativas, montado conforme a conveniência do particular estudante. Além disso, a oferta é, em geral, aberta (daí o nome), o que significa que não há prova de admissão.

 

    Havendo número de vagas pre-determinadas pelas IES no sistema UAB, em geral de 50 estudantes por curso e Pólo, não é provável que ocorra oferta efetivamente aberta pela UAB !

 

    De fato, o curso-piloto em Administração, que já está sendo oferecido para funcionários do Banco do Brasil (preferencialmente) e para outros funcionários públicos foi precedido de vestibular, em geral presencial, determinado pela IFES ou IEES que participa desse projeto-piloto. Por exemplo, a UFPA, segundo seu Edital 007/2006, selecionou ao todo 200 candidatos para cursarem Administração em EaD no pólo de Belém, sendo destes 150 funcionários do BB e 35 funcionários da própria UFPA; nos outros 4 pólos propostos devem estar estudando, ao todo, outros 300 graduandos.

 

    Em 2007, há previsão, conforme o sítio do MEC, de que os estudantes, que ainda serão selecionados para as mais 80 mil vagas que as IFES disponibilizaram, comecem a cursar em EaD a graduação ou pós de sua escolha; o primeiro semestre deveria começar em junho e o segundo, em setembro. Vale notar que, até agora, não se encontram no sítio do MEC quaisquer orientações sobre os necessários processos seletivos...

 

 Conteúdo dos cursos ?!

 

    Qualquer professor, em especial da Educação Superior, sabe que, na verdade, nenhuma disciplina está otimizada para sempre; mesmo docentes experientes adaptam o material básico para cada turma específica para a qual estejam lecionando. Basta consultar os prefácios de livros didáticos, especialmente os que tenham alcançado sucesso internacional ou nacional, para verificar que, de modo geral, resultaram de disciplinas ministradas por vários anos pelo autor, até se converterem em algo mais duradouro.

 

    O que dizer, então, de toda uma grade curricular a ser adaptada para uma situação desconhecida, como é o Ensino a Distância?!

 

    Nos Editais, o MEC promete bolsas para professores conteudistas restritas a períodos de 1 a 2 anos, sem garantia de renovação. Pelos Editais é bastante provável que não haja disponíveis equipes especializadas que já estejam trabalhando em conjunto durante um período compatível com as dimensões da tarefa colocada. Como enfrentar tamanho engodo?

 

    A antiga Open University britânica ainda trabalha com muito material impresso, desenvolvido ao longo de décadas; esse material, e outro, já desenvolvido para mídias eletrônicas, é colocado à disposição, mediante pagamento de royalties, para outras universidades abertas pelo mundo afora, a maioria destas criadas na década de 90 ou posterior...Tem-se notícia de que a UFC já esteve interessada em traduzir esse material e que só desistiu do intento quando se deparou com o custo contínuo de tal projeto. Agora: um país com as diferenças culturais do gigante Brasil não faria melhor em aproveitar e incentivar exatamente o potencial criativo que seu multiculturalismo lhe possibilita, ao invés de imaginar que uma tintura de cultura exógena e uniformizadora possa representar um diferencial positivo num mundo já por demais uniforme?!

 

Formação de Professores a Distância?

 

    Uma pesquisa nas habilitações oferecidas por universidades abertas, em âmbito internacional, mostra que a intenção da SEED/MEC de formar dezenas, quem sabe centenas, de milhares de professores nas disciplinas científicas, em especial Física e Química, pela metodologia que a UAB pretende empregar, não encontra respaldo em experiências anteriores.

 

    A própria Open University britânica oferece apenas um Bacharelado em Física e Bacharelados específicos em temas educacionais ligados a estudos das crianças e adolescentes, além de um "Diploma", após o equivalente a apenas 3 anos de estudos de graduação, para Mathematics Education. Quanto aos professores, os programas geralmente referem-se a teacher training, dando a entender que se trata de educação continuada.

 

    Parece, pois, que o país está prestes a embarcar numa aventura de consequências imprevisíveis, pois mesmo defensores do EaD[11] admitem que a formação inicial de jovens por esta modalidade (?) só obtém sucessos em casos excepcionais, de pessoas com vivências ou aptidões específicas. O que dizer, então, da formação inicial de professores, cujo míster diuturno será confrontar-se (...) com classes de adolescentes heterogêneas, em relação às quais tão, ou mais, importante quanto o conhecimento específico, é a habilidade de detectar o melhor modo de produzir um clima colaborativo na classe e conquistar o respeito e a autoridade necessárias para o bom andamento do processo ensino/aprendizagem.

 


[1]   Ver UAB no sítio do MEC: www.mec.gov.br/webuab

[2]   Ver OU no sítio: www.open.ac.wk

[3]   Ver UOC no sítio: www.uoc.edu

[4]   Ver I. Tubella em: www.uoc.edu/press

[5]   Ver Fórum das Estaduais no sítio do MEC: www.mec.gov.br

[6]   Ver www.nettskolen.com/megatrends (acesso 02/02/07)

[7]   www.mec.gov.br/seed

[8]   destaquem-se, por exemplo, UnB, UFSC, UFC e UFPR

[9]   www.mec.gov.br/webuab

[10] Fundação de Fomento à Universidade Aberta do Brasil – proposta do Fórum das Estatais pela Educação, 2005: acessar “Fórum das Estatais” no sítio do MEC

[11] www2.abed.org.br/noticia.asp?Noticia_ID=38, acesso em 02/02/2006