CARTA MANIFESTO DOS
DIRETORES
DE UNIDADES ACADÊMICAS DA UNICAMP A Constituição
Brasileira de 1988, em seu artigo 207, define perfeitamente o
princípio da autonomia universitária: “As Universidades gozam de
autonomia didático-científica, administrativa e de gestão
financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de
indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”. A
formulação contém dois aspectos decisivos para a existência de
uma universidade de excelência. Em primeiro lugar, a
universidade firma-se como sujeito capaz de criar e de aplicar a
si a sua própria normatividade, tendo como pressuposto a sua
vocação de busca de conhecimento crítico e autocrítico. Em
segundo lugar, a idéia de autonomia implica a indissociabilidade
entre três práticas constitutivas da identidade acadêmica: a
investigação livre, o rigor teórico e a transmissão do
conhecimento através do ensino e da extensão. O compromisso
social é intrínseco ao princípio de autonomia universitária,
pois ela se afirma na medida em que tanto a produção quanto a
transmissão e a extensão do conhecimento passam por avaliação
séria, através da mediação de pares, e são postas a serviço da
sociedade. Quer dizer, em seu entendimento mais profundo, o
cumprimento da função social da universidade se faz, em
primeiríssima instância, através da qualidade da sua produção,
resultante da busca da excelência acadêmica, movida pela
consciência autônoma de seus membros. Ao longo dos anos de vigência da autonomia financeira, as universidades públicas do Estado de São Paulo apresentaram concretamente um desempenho muito positivo. A UNICAMP, em particular, registrou crescimento excepcional dos seus principais indicadores de produtividade. Entre 1989 e 2005, o número de docentes decresceu sensivelmente, enquanto o número de matrículas aumentou sempre nos cursos de todos os níveis, como está detalhado no artigo acima citado. Nesse mesmo período foi registrado aumento numérico e qualitativo muito significativo das dissertações de mestrado e teses de doutorado defendidas. Além do reconhecimento público da qualidade da sua produção nas diversas áreas do conhecimento, a UNICAMP destacou-se de modo notável na área tecnológica, a ponto de se tornar a entidade, pública ou privada, com o maior número de registros de patentes em todo o Brasil. Está claro, portanto, que a autonomia, no que significou de motivação e mobilização dos docentes, é peça chave no aumento da produtividade das universidades públicas paulistas. Nesses mesmos anos de autonomia plena, a UNICAMP realizou dois rigorosos processos de avaliação institucional que geraram relatórios abrangentes e minuciosos sobre a sua produção, cuja peça fundamental foram as comissões formadas por avaliadores externos, nacionais e internacionais, de alto nível. Os resultados dessas avaliações foram entregues ao Conselho Estadual de Educação, e se encontram inteiramente à disposição da sociedade. Esses dados, e tantos outros, igualmente expressivos e contundentes no que diz respeito à produção da USP e da UNESP, deixam claro que as Universidades públicas paulistas estão engajadas na compreensão responsável de sua autonomia. Desse modo, revelam-se desnecessários e extemporâneos os decretos do governador que ferem frontalmente o princípio constitucional da autonomia. Eles não apenas sinalizam a tentativa de submeter o Conselho de Reitores à tutela da Secretaria de Ensino Superior, mas produzem dois efeitos ainda mais nocivos. O primeiro deles é a intervenção sobre a autonomia financeira das Universidades ao dificultar os repasses do ICMS mediante atos difusos de operações financeiras, nas quais fica evidente o propósito de controle burocrático do orçamento. E ainda que o governo anuncie a disposição de acatar os remanejamentos de recursos necessários à gestão quotidiana dessas instituições, a simples obrigatoriedade de anuência do sistema burocrático externo à Universidade para efetuação de seus recursos significa ingerência na “autonomia de meios” fundamental para a “autonomia de fins” garantida constitucionalmente. O
segundo grande efeito nocivo dos decretos é a transferência das
três universidades públicas paulistas da antiga Secretaria de
Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico para a
recém-criada Secretaria de Ensino Superior, a qual, por sua vez,
abriga igualmente as cerca de 500 instituições de ensino
superior privadas do Estado, assim como, não se sabe a que
título, o Memorial da América Latina. A levar a sério este novo
desenho administrativo, as alterações produzem a separação
arbitrária e inaceitável entre ensino e pesquisa ou, o que é
pior, deixa-se de distinguir Universidade que produz ensino e
pesquisa daquelas que apenas fornecem ensino, que passam a
formar a grande massa de filiados da Secretaria de Ensino
Superior. Foi em parte graças à localização das Universidades
estaduais paulistas na Secretaria de Ciência e Tecnologia que a
Universidade de excelência teve reconhecido o seu lugar distinto
das IES privadas que não produzem pesquisa. Aliás, a nova
designação dessa Secretaria apenas como Secretaria de
Desenvolvimento, ora esvaziada das universidades estaduais,
deixa supor que a antiga ênfase na pesquisa livre e de ponta em
Ciência e Tecnologia, em sintonia com os mais altos padrões
internacionais, pode vir a ser preterida em favor de projetos
mais aplicados e privatizantes, sob pretexto de servir a
estratégias desenvolvimentistas. Por outro lado, quando as
Universidades Públicas são retiradas da rebatizada Secretaria de
Desenvolvimento, é estranho a permanência nela das Faculdades de
Tecnologia (FATECs), do Centro Paula Souza, que mantêm vínculo
acadêmico-administrativo com o Conselho Universitário da UNESP.
Em suma, longe de integrar o ensino superior público paulista,
os decretos o fragmentam e dispersam.
Nós, Diretores das Unidades Acadêmicas da
UNICAMP, não seremos coniventes com essas anomalias
institucionais, de duvidosa base constitucional. Nenhum ajuste
fiscal que eventualmente interesse ao governo, qualquer governo,
assim como nenhuma alegação populista ou demagógica, movida
afinal pelo mal disfarçado desejo intervencionista, será
bastante para justificar a perda irreparável daí decorrente: a
liberdade de criação científica e cultural das Universidades. Campinas, 27 de março de 2007. (Original
assinado pelos diretores do IA, IB, IC, IE, IEL, IFCH, IFGW, IG,
IMECC, IQ, FCM, FE, FEF, FEAGRI, FEA, FEM, FEQ, FOP, CESET,
COTUCA e COTIL).
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