Adunicamp Notícias - 10
de setembro de 2010
Divulgação a pedido do Prof. Raul Vinhas Ribeiro
O espectro
do coronelismo ronda a UNICAMP
Raul Vinhas Ribeiro Conta a história da UNICAMP que, desde seu início, no final dos anos 60 e estendendo-se pela década de 70, ela foi resguardada dos ataques autoritários do regime de então por uma reitoria preocupada mais com o papel da universidade do que com a posição político-ideológica de seus membros.
Durante a década de 80, mais
madura, a Unicamp passou por um período de intensa luta
política, em que a Universidade se afirma e cria uma identidade
própria através de suas atividades-fim, mas também pela luta
política da comunidade. No inicio dos anos 80, a UNICAMP, após
ter sido violentada pelo então governador Maluf, expulsa os
interventores nomeados pelo Reitor, forçando o governo a recuar
e negociar. Como resultado de negociações entre reitoria e
comunidade, houve avanços estatutários importantes e mais
democráticos, que levaram a universidade a um novo patamar de
qualidade.
Na segunda metade da década de
80, em período inflacionário descontrolado e com salários
aviltantes, as universidades paulistas após sucessivas greves
anuais de longa duração conseguem a autonomia
econômico-financeira ao final do governo Quércia. Em decorrência
desse marco histórico, as Administrações Universitárias
experimentaram um enorme salto de qualidade com reflexos
significativos nas suas atividades.
Várias greves nos anos 90
contra a política salarial do CRUESP acabaram por garantir um
patamar razoável de salários. Na UNICAMP, ações políticas
internas para proteger a comunidade contra o assédio e o poder
discricionário de diretores e reitores levaram as Congregações e
o CONSU a se tornarem de fato, após um período longo de
discussão e debates internos e luta política, co-partícipes nos
diversos níveis de direção acadêmica e administrativa.
No início dos anos 90, o
Conselho Universitário alterou o processo eleitoral da consulta
de Reitor de forma a centralizar a votação, onde era possível,
em um único local. O processo de apuração passa a ocorrer de
forma a não identificar a votação de cada unidade, inibindo
pressões sobre os eleitores e possíveis retaliações do futuro
reitor sobre unidades que votassem em outros candidatos. A
apuração de votos em eleições de representantes docentes e de
funcionários também foi centralizada em uma única urna,
impedindo a identificação de eleitores e de unidades acadêmicas
ou administrativas.
As Congregações e o CONSU
produzem uma lista que, ao longo de mais de 20 anos e por ações
da comunidade, colocam o nome do primeiro colocado na consulta
em primeiro lugar. Questionados durante a campanha eleitoral a
respeito da consulta realizada pelas unidades, os reitores,
inclusive o atual, se comprometeram a escolher o primeiro da
lista da comunidade. A consulta à comunidade para a escolha de
reitor e diretores, iniciada antes da intervenção malufista, foi
adquirindo cada vez mais o status de eleição: a comunidade
construindo sua democracia e suas regras mais abertas e
inclusivas e dando à autonomia universitária mais sentido e mais
conteúdo.
Estas regras fundamentam a
autonomia. Se permitirmos que as consultas se transformem em
arremedo de processo democrático, logo estaremos dando razão a
que as congregações façam suas listas e que os reitores não
respeitem a escolha do nome mais votado pela comunidade. No
plano externo, isto poderá permitir que o governador faça o
mesmo na escolha do reitor. Daí para a interferência na
administração pelo controle do orçamento será um passo. Nossa
autonomia quase foi perdida há pouco mais de três anos por ação
do governo estadual, mas a reação da comunidade garantiu sua
permanência. Contudo, podemos perdê-la por abdicarmos da
responsabilidade de garanti-la internamente.
Diminuir o processo de
consulta à comunidade e tratá-lo como se fosse mera concessão,
um procedimento menor, é desrespeitar a história da Unicamp e a
luta pela ampliação da cidadania universitária. É, acima de
tudo, um golpe contra a democracia universitária, uma ofensa à
comunidade e um desrespeito inominável à academia.
Porque este longo arrazoado?
No processo eleitoral em curso para escolha do novo diretor do
Instituto de Biologia, a Comissão de Consulta criou a seguinte
anomalia, que configura uma ruptura histórica e que transcrevo
aqui:
e- Para os
docentes, funcionários e alunos aptos a votar, e que não possam
estar presentes no local e datas de votação, os votos poderão
ser encaminhados para o email do presidente da comissão
coordenadora da consulta (ib2010@unicamp.br).
f- Serão considerados válidos os votos recebidos por email até às 23h59 do dia 31 de agosto para o primeiro turno, e 09 de setembro para o segundo turno. g- Os votos encaminhados por email serão transferidos para uma cédula de votação correspondente à categoria funcional do votante, e o email contendo o voto será colocado dentro de um envelope que será lacrado e assinado pelos membros da Comissão.
Com esta regra obriga-se a
confiança no Presidente da Comissão Eleitoral. É impossível que
o voto não seja identificado, inclusive para saber se alguém
votou mais de uma a vez ou além de usar a cédula, usou também o
e-mail. Ora, para proteger, então o processo é necessário
desrespeitar a preservação da identidade do eleitor!
Alegar que isto é desconfiança
indevida nas autoridades universitárias é descabido. Desconfiar
das autoridades é um direito de qualquer cidadão, e estar
protegido contra o arbítrio do poder é um direito dele. O outro
lado desta moeda é a expectativa de que eleitores sejam
preservados. Na universidade, como na sociedade, o jogo de
interesses pode ser brutal e desumano e, neste sentido, não
somos melhores nem piores que o mundo exterior. Já vimos, todos
nós, atos arbitrários ocorrerem nas universidades. Não abusemos
da inteligência dos professores e funcionários desta comunidade.
Imagine o docente com
relatório pendente em análise, o docente com pedido de auxílios
dependente de aprovação de instâncias superiores, o docente que
por algum motivo se encontra na dependência da chefia imediata
ou de seu diretor e que em viagem ou em algum tipo de licença é
instado a votar.... Se não vota pode ser visto como opositor, se
vota no candidato de oposição pode se sentir ameaçado, se vota
no candidato da situação, mesmo contra suas convicções e por
medo das conseqüências, se sentirá apenas em parte como um ser
humano livre e responsável, rebaixado em sua dignidade pessoal e
de pesquisador livre e independente. A regra do sigilo do voto
foi conseguida no Brasil após longa luta e, na Unicamp, como
vimos acima, também houve luta para garantir o sigilo do docente
e da unidade.
Absurda é também a
justificativa para tal procedimento com base no fato de que o
voto não é obrigatório (vota quem quiser) e, ademais, que teria
havido concordância entre os candidatos. Em primeiro lugar,
estes não podem falar por seus eleitores. Além disso, este
procedimento só teria sentido no caso absurdo em que toda a
comunidade da Unicamp, não só a do IB, assim o decidisse por
votação secreta e por maioria absoluta dos eleitores
Alegar ainda que há pareceres
legais que admitem a preciosidade acima... bom, nem discutirei.
Pareceres de juristas que justificam absurdos os há de toda
ordem. O problema é de ordem política, ética e moral. Não há
casuísmo que possa superar os problemas que tais regras podem
criar para a Universidade. Qualquer que seja o resultado, mesmo
que os votos por e-mail não possam alterar os resultados da
consulta, a comunidade e a história da Unicamp saem perdendo.
O titulo deste artigo está
justificado. São as lembranças e heranças de nossa história que
nos rondam e nos assombram em nosso microcosmo, desta vez, e
como sempre, como farsa, teatro mambembe, circo e, como sempre,
executada como tal. Por isto, apelo ao senhor Reitor, aos
senhores diretores, aos representantes docentes no CONSU, e à
comunidade, que repudiem tal procedimento.
Espero que o bom senso
predomine e não seja preciso a comunidade se manifestar. Mas, se
for o caso, a comunidade se manifestará ou então optará por
entregar sua liberdade acadêmica nas mãos dos que, por
desconhecer a História desta instituição, e o mínimo respeito às
necessárias liberdades acadêmicas, permitem que inovações ainda
que bem intencionadas (ou não!) nos levem de volta a tempos em
que se aceitavam ameaças, represálias, pressões, controles, um
tempo que se mostrou ineficiente para uma universidade que quer,
sim, contribuir para mudar a história de nossa sociedade.
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