São Paulo, terça-feira, 19 de abril de 2005
TENDÊNCIAS/DEBATES
Reforma e desafios da universidade pública
JOSÉ TADEU
JORGE
Aos desafios que a universidade pública brasileira tem pela frente, no
contexto de uma sociedade que ainda não descobriu de todo a importância da
educação e da ciência para o seu desenvolvimento, soma-se este mais
recente, pontual, mas não menos laborioso: o de uma reforma universitária
que, ainda em estado de anteprojeto, clama por uma "reforma de si
mesma", capaz de convertê-la em um plano estratégico para o ensino
superior.
Reunido em duas ocasiões para discutir os cem artigos do anteprojeto, o
Conselho Universitário da Unicamp, por iniciativa do reitor Carlos Henrique
de Brito Cruz, produziu em março último um documento que foi enviado ao
ministro da Educação, Tarso Genro, como contributo de uma universidade que há
16 anos atua no regime pleno da autonomia, tem avaliação de desempenho
constituída, indicadores em permanente ascensão e que, portanto, está
habituada a oferecer ao Estado a contrapartida da responsabilidade acadêmica,
financeira e institucional.
Escolhe-se começar a
reforma do edifício da educação brasileira não pelo alicerce, mas pelos
andares superiores
Ao mérito de vir colocar ênfase na discussão
do ensino superior no país, o que há muito não se fazia, o anteprojeto avança
na questão do financiamento das universidades federais e de seu acesso ao
regime de autonomia financeira, até aqui só praticado em plenitude pelas
universidades estaduais paulistas. Ao lado desses pontos, entretanto,
coexistem propostas no mínimo discutíveis que colaboram para a constatação
de que, como diz o documento da Unicamp, "o anteprojeto não contém uma
estratégia para o efetivo desenvolvimento do ensino superior no Brasil".
Se o anteprojeto exprime vagamente o propósito de aumentar a abrangência
social do ensino superior, o que é justo e necessário, nada há ali sobre as
ações que o Estado deveria tomar para melhorar o ensino médio e desenvolver
qualitativamente o ensino fundamental. Escolhe-se começar a reforma do edifício
da educação brasileira não pelo alicerce e pelas fundações, como seria
recomendável, mas pelos andares superiores. Ou seja, fixa-se um sistema de
reserva de vagas na graduação e espera-se que esse paliativo dê ao edifício
uma aparência mais sólida e atraente, mesmo sobre uma base frágil.
Atribui-se à universidade uma missão utilitária de curto prazo com uma ênfase
excessiva no seu papel extensionista, mas pouco ou nada se fala de seu
compromisso maior com os valores acadêmicos da pesquisa e da educação
superior. Por outro lado, não é imaginável que o texto de uma reforma do
ensino superior se aplique igualmente a todas as regiões do país, com a
heterogeneidade que se sabe. Só um planejamento que inclua conceitos como visão
de futuro, diagnóstico, metas e identificação de meios evitaria tratar a
heterogeneidade como homogênea e exigir dela resultados iguais, além de -e
aqui está o principal- abrir o escopo da reforma para uma mudança
qualitativa que inclua uma regulação criteriosa do sistema de ensino
superior como um todo e, ao mesmo tempo, tenha a coragem de fortalecer e
ampliar as bases da universidade pública e gratuita, que, em geral, está
apta a oferecer uma melhor formação por conjugar o ensino à pesquisa e à
produção de conhecimento novo.
A este último reclamo se opõem alguns obstáculos conjunturais sérios, como
o decrescente investimento federal na manutenção da pesquisa, a participação
crescente do setor privado nos recursos públicos (exemplo: a estatização de
100 mil vagas nas universidades particulares em 2005), certa renitente
campanha contra a universidade pública e, por fim, uma política de inclusão
que não leva em conta as causas da exclusão, especialmente, como já foi
mencionado, o baixo desempenho do ensino fundamental e médio -além das
conseqüências decorrentes da má distribuição de renda e da falta de justiça
social.
Ainda assim, a universidade pública sabe que não pode eludir as grandes
demandas de seu tempo. A principal delas é continuar ampliando o número de
vagas em seus cursos, especialmente na graduação, criando mais oportunidades
com planejamento adequado e provisão de meios. Outra é, no contexto dessa
expansão, encontrar formas de promover a inclusão social -e a maneira mais
adequada é incluir a escola pública- sem depreciação da qualidade e do mérito
acadêmico (a Unicamp o fez recentemente, através de um programa de ação
afirmativa que não reproduz o sistema de cotas).
Em paralelo, é patente a necessidade de a universidade pública fazer chegar
à população, em grau maior, os frutos do conhecimento nela gerado. Uma
tarefa nobilíssima e urgente, por exemplo, é o seu envolvimento mais
profundo na qualificação de professores das redes de ensino, seja por meio
dos programas governamentais (de que a Teia do Saber, em São Paulo, é um
exemplo notável), seja por meio de iniciativas institucionais próprias.
José Tadeu Jorge, 52,
engenheiro de alimentos e professor titular da Faculdade de Engenharia Agrícola
da Unicamp, toma posse hoje como reitor da universidade.
@ - tadeu@reitoria.unicamp.br