Universidade em foco - 21/09/2007 18:35
ACADEMIA
Você conhece as diferenças entre faculdade, instituto e escola?

Rafael Kato / USP Online
rafaelkato@usp.br


 

Essas perguntas não são das mais fáceis de serem respondidas. Algumas unidades da USP nasceram antes da própria Universidade, e outras sofreram mudanças ao longo dos anos, o que faz com que muitas sigam objetivos diferentes dos iniciais. 

O estatuto da Universidade diz em seu artigo 5°: As Unidades, que compreendem Institutos, Faculdades e Escolas, todas de igual hierarquia e organizadas em função de seus objetivos específicos, são órgãos setoriais que podem, a seu critério, subdividir-se em Departamentos”. Portanto, na norma geral da USP, não há hierarquização entre elas.

No entanto, na história da constituição da Universidade de São Paulo e das universidades em geral há, sim, uma diferença. Primeiramente é necessário entender o uso do termo universidade como fazemos hoje, para depois compreender os significados dos nomes de suas subdivisões e órgãos internos.

A Universidade
Uma das acepções para a palavra, definida pelo dicionário Houaiss, é a seguinte: “instituição de ensino e pesquisa constituída por um conjunto de faculdades e escolas destinadas a promover a formação profissional e científica de pessoal de nível superior (datado do século XV). Hoje aplica-se essa definição a todas as áreas de conhecimento, envolvendo a exigência de divulgação entre os pares”.

O mesmo dicionário traz que a palavra universidade tem sua etimologia ligada aos vocábulos latinos universitas, universitatis, que significam universalidade, totalidade; e posteriormente, companhia, corporação, colégio, associação.

Colleges
É na palavra "colégio" que está uma das origens das confusões e diferenciações entre faculdade, escola e instituto. "Colégio" está ligada às corporações e associações de pessoas com fins comuns (con– significa junto e lego significa "eu escolho", portanto “eu escolho viver junto”, por isso universidade).

Em educação, o termo é usado pelos ingleses, que chamam de colleges as instituições entre o ensino médio e o superior, cujo trabalho é promover a preparação para este último. Nos Estados Unidos, os colleges também passaram a denominar cursos profissionalizantes, notadamente de negócios ou engenharia, que assim recebem o nome de technical colleges.

Nesses países, algumas instituições de ensino superior adotam o college no nome, e assim o que antes era college passou a ser chamado de polytechnical college ou universidade. Soma-se a esse fato que algumas outras instituições ficaram marcadas somente pele seu primeiro nome, como é o caso do Eton College, da Inglaterra.

Artes Liberais
A origem do college como um preparatório para a formação adulta e para a universidade está na Idade Média. Os colleges realizavam o ensino do chamado trivium - lógica, retórica e gramática - que seria o preparatório uma instância superior do conhecimento, o quadrivium universitário, constituído pela geometria, aritmética, música e astronomia. Todas juntas, elas formam as sete artes liberais.

Esse currículo privilegiava a formação das capacidades intelectuais, em contraste com a profissional ou técnica. No entanto, na estruturação interna das universidades, os colleges, que receberam o nome na Europa Continental de Escola de Artes ou Faculdade de Filosofia, possuíam uma posição inferior em relação às outras faculdades.

As faculdades superiores
Na Idade Média, aponta o professor Ernesto de Souza Campos (1882-1970) no livro História da Universidade de São Paulo, havia formações espontâneas de grupos de estudantes. Esse movimento ficou conhecido como Studium Generale.

O studium era formado por estudantes de todas as partes do mundo que, “como não gozavam dos mesmos direitos, reuniam-se em associações com o fim principal de mútua proteção“, diz o texto.

As cidades que eram sedes de um studium sofreram uma separação em suas organizações internas. Parte ficou com os legistas - aqueles que estudavam direito - e outra para os artistas. Lembrando que aqui o termo "artista" refere-se às artes liberais, que englobavam medicina, filosofia, astronomia e matemática.

As separações continuaram ao longo das décadas, fazendo com que alguns professores formassem os seus próprios grupos de estudo (colleges). Foi a bula papal de Gregório IX, em 1231, que deu permissão às diversas faculdades de regular e modificar a sua composição.

O documento do papa fez com que os estudos universitários fossem sistematizados em quatro faculdades, três superiores (teologia, direito e a medicina) e uma inferior, a filosofia, que durante os séculos XVI e XVII ficou reduzida a uma federação de colégios. No desenvolvimento do ensino superior europeu, as modificações eram poucas, mas seguiam as divisões, onde as escolas eram sempre voltadas para o ensino mais técnico.

Na França - diz Campos, que foi diretor da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) e ministro da educação do governo Eurico Gaspar Dutra (1946-1950) - “perdura o agrupamento histórico das quatro ou cinco faculdades e o preconceito de isolar o ensino das ciências aplicadas – o estudo profissional – dos estudos de ciências puras que são privilégios dos grandes centros universitários”. No entanto, é nos Estados Unidos que essa diferenciação desaparece, pois há a incorporação das escolas de engenharia como parte das universidades.

Faculdade ou Escola?
 

Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz
Dessa forma, o termo faculdade está ligado à divisão realizada após o documento de Gregório IX, ou seja, denomina os locais voltados para a formação intelectual baseada nas sete artes liberais e nas suas subdivisões.

As escolas, por sua vez, têm suas origens no ensino técnico que realizam. A Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), por exemplo, só se tornou um centro de ensino superior por volta da década de 1930. Até então era um escola prática. O nome se manteve porque já era tradicional, como ocorreu com a Escola Politécnica (Poli).

Historicamente, as disciplinas mais práticas das faculdades se separaram e formaram escolas. Foi assim que surgiram na Europa as escolas de enfermagem, por exemplo, como filhas das Faculdades de Medicina.

Também podemos dizer que o nome “escola” vem de Technical college, que em tropeço de tradução poderia ser facilmente escrito como escola técnica. Na mesma área de traduções estão as "trade schools” norte-americanas, que traduzidas como escolas de comércio – tal qual a Escola de Comércio Armado Álvares Penteado – trazem para a palavra escola toda a acepção do favorecimento da instrução profissional.

É claro que algumas unidades não seguem a risca o histórico da diferenciação dos termos, como a Escola de Comunicações e Artes (ECA), cujo nome, seguindo essa tradição histórica, poderia ser Comunicações e Belas Artes. A ECA seria uma dessas licenças-poéticas da história, como também é, comparativamente, o caso da Escola Paulista de Medicina (da Universidade Federal de São Paulo).

Os institutos
Os institutos são os mais novos na história do ensino superior. Geralmente surgem da separação de algum laboratório ou grupo de professores das faculdades e/ou escolas. O Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), que hoje não mais pertence à USP, é fruto da separação de laboratórios da Poli.

Em geral, os estudos desenvolvidos pelos institutos são mais avançados, mas que também possuem ligações com a prática. Campos diz que os institutos se separaram dos laços seculares e não viram desvantagens em associar o ensino científico e o profissional. Mais uma vez a licença-poética toma forma, pois se o Instituto de Relações Internacionais (IRI) tem um interesse profissional e científico, o Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) é mais voltado para o segundo.

Uma universidade de tipo misto
Assim, os institutos representam o tipo misto da formação da estrutura universitária da USP, “abrangendo a educação e instrução – estudos culturais, científicos e profissionais”, diz o professor Campos em seu livro.

O professor deixa claro em sua obra, publicada originalmente em 1954, que “convém-nos melhor o tipo misto, com um bom núcleo de estudos científicos e culturais desinteressados, que irá crescendo, gradualmente, pela justaposição de novas peças, até atingir o valor das faculdades de filosofia ou ciências e letras, ou artes liberais, sistema completado pelas escolas profissionais, que possuam elevada organização científica e capacidade para desenvolver pesquisas originais, condição indispensável para manutenção desses institutos no alto nível que lhes compete”. 

Colaborou: Carolina Landulfo