A exemplo dos projetos temáticos da Fapesp, cujos resultados
ganharam projeção mundial – como o Projeto Genoma –, a reitora
Suely Vilela destacou a idéia de estruturar e consolidar a
formação de redes temáticas em áreas estratégicas, a fim de
agilizar e otimizar pesquisas, conquistar resultados mais
eficazes e inserir os pesquisadores da USP em projetos de
impacto para o Brasil. Uma espécie de “força-tarefa”, com muitas
cabeças pensando o mesmo tema. “A USP já está estruturando suas
redes temáticas em áreas de grande importância e nas quais tem
competência para dar uma contribuição efetiva tanto no cenário
nacional como no internacional”, disse a reitora. As áreas são:
mudanças climáticas, tecnologia da informação e comunicação,
física de materiais, engenharia de materiais, bioenergia,
nanotecnologia e nanociências, inovação aeroespacial,
agronegócio e saúde animal, educação, economia, recursos
naturais, violência, doenças do século 21, insumos para a saúde
e biocomplexidade.
Constituir redes temáticas
vai ao encontro de outro objetivo apontado pela reitora, o de
agregar valor ao conhecimento produzido. Embora exista um avanço
na quantidade e na qualidade da pesquisa produzida na
Universidade, com seus grupos participando de forma
significativa em projetos de impacto – no Biota, a USP tem 21
grupos, ou 49% do total de pesquisadores; nos Projetos Temáticos
da Fapesp, tem 245 projetos, ou 21% do total; nos Institutos do
Milênio, tem 11 projetos, ou 32% do total; o Cepid tem 50% dos
projetos na USP –, ainda existe um descompasso entre o
conhecimento produzido e o número de patentes registradas pela
USP. “Esse descompasso é o grande desafio do país. A USP tem uma
responsabilidade muito grande na produção científica, mas no
número de patentes sua participação é ainda muito pequena. A USP
tem que avançar na contribuição com a sociedade em agregar valor
e contribuir para o desenvolvimento sustentável do país”, disse
Suely.

Pesquisa em destaque: redes temáticas investigarão temas
como mudanças climáticas, nanotecnologia, bioenergia,
agronegócio e inovação aeroespacial |
Apesar desse descompasso,
as perspectivas são boas, tanto pela projeção de aumento do
número de pesquisadores de alto nível como pelas ações
efetivadas pela Agência USP de Inovação e pelos incentivos
proporcionados pela Lei de Inovação, afirmou. O número de
pós-doutorandos passou de 24 em 2003 para 548 em 2007, os quais
estão inseridos num universo de 1.987 pesquisadores cadastrados
na Universidade. “A meta é que a USP tenha pelo menos um pós-doc
em cada um de seus programas de pesquisa e as unidades deverão
buscar essa meta”, afirmou.
Carreira docente –
Segundo a reitora, “tem ganho boa adesão” uma nova proposta para
a carreira docente dentro da USP. A idéia é criar três níveis
intermediários entre o professor associado e o titular, os quais
seriam o associado 1, 2 e 3. Além disso, foi estabelecida uma
comissão específica para criar uma nova estrutura de carreira
para os técnicos administrativos, com um modelo de gestão por
competência, disse.
As propostas para a
carreira docente e o corpo técnico integram o Planejamento
Estratégico Institucional, elaborado por uma comissão de
planejamento instituída em abril de 2007. Segundo a reitora, os
resultados dos trabalhos da comissão serão apresentados no
workshop Planejando o Futuro – USP 2034, a ser realizado em duas
datas, nos meses de setembro e outubro. “Pretendemos deixar
nossa contribuição na visão de futuro da USP. O colóquio
2010-2020 trará grande contribuição para esse planejamento”,
disse.
De acordo com a reitora,
as prioridades do planejamento estratégico incluem a gestão
administrativa e financeira, a informatização da administração,
introduzindo o conceito do e-administração, o aprimoramento dos
sistemas de informatização, a descentralização administrativa e
o investimento em recursos humanos.

Suely Vilela: USP criará redes temáticas
de pesquisa em áreas estratégicas |
Empreendedorismo deve ser
outra palavra de ordem numa instituição de ensino e pesquisa que
deseja ser uma universidade de classe mundial, afirmou a
reitora. “Empreendedores são profissionais comprometidos com o
desenvolvimento do país, representam liderança profissional e
intelectual, possuem papel destacado nos destinos do país e têm
responsabilidade social. Esse profissional é que terá habilidade
para gerenciar as novas relações de trabalho numa sociedade em
transformação e a USP tem programas institucionais para formar
esse profissional”, disse a reitora, destacando o Programa de
Iniciação Científica, o Programa Ensinar com Pesquisa e o
Programa Aprender com Extensão, além dos estágios curriculares,
dos intercâmbios internacionais, dos estágios de dupla titulação
e de cursos extracurriculares.
A reitora mostrou também
que o Programa de Inclusão Social da USP (Inclusp) vem
conseguindo frear a tendência de diminuição do ingresso de
estudantes da rede pública de ensino, através da instituição dos
bônus para o vestibular e do Programa de Avaliação Seriada da
USP (Pasusp). “A perspectiva a médio prazo é de que 50% dos
alunos da USP sejam originários da rede pública. Também
pretendemos aumentar o número de estudantes e professores
estrangeiros, fortalecendo a diversidade”, disse.
Com a adesão ao Programa
Nacional de Gestão Pública e Desburocratização (Gespública), a
USP, que prevê a implementação do modelo de excelência na
gestão, tem perspectivas de mudança na cultura organizacional,
contribuindo para a valorização da gestão universitária e para
uma administração desburocratizada e descentralizada, a fim de
que não haja prejuízo das atividades-fim da Universidade,
afirmou Suely.
O
futuro das ciências
Na opinião do professor
José Goldemberg, reitor da USP de 1986 a 1990, ao contrário do
que ocorreu na década de 1950, quando a física nuclear atraiu
para a USP uma série de pessoas interessadas em ciência – o
próprio Goldemberg, natural de Santo Ângelo, no Rio Grande do
Sul, ingressou no curso de Química da USP em 1946 e um ano mais
tarde se transferiu para o de Física –, atualmente a
Universidade não possui uma área de vanguarda em ciência básica
tão atraente como naquela época. “Hoje, a área de vanguarda em
física é estudar cosmologia. Mas nisso não estamos bem colocados
porque o Brasil não possui grandes simuladores e só poderá
entrar nesse campo se for pelo caminho de parcerias e
cooperação”, afirmou, durante o encontro A USP e as
Universidades de Pesquisa de Classe Mundial, no Instituto de
Estudos Avançados (IEA).
Já na área de estados
sólidos e materiais, o Brasil pode fazer e tem dado uma enorme
contribuição, disse Goldemberg, lembrando o pioneirismo de Mário
Schenberg, que iniciou na USP os estudos de um campo que hoje
reúne um grande número de pesquisadores no Brasil. “A física do
estado sólido continua sendo uma área extremamente atraente do
ponto de vista de aplicações e também teórico. Li recentemente
que estão desenvolvendo um tecido em que não gruda sujeira. É o
mesmo fenômeno que ocorre na planta lótus e está ligado à tensão
superficial, que é um tema da graduação em física”,
exemplificou.

Goldemberg: ciência e mundo real |
Goldemberg lembrou que “é
preciso fazer um esforço para aproximar as ciências básicas do
mundo real”, referindo-se à necessidade de aumentar os registros
de patentes. “Na verdade, há mais transferência de conhecimento
do que se pensa, que não segue a via do registro formal. Mas
claramente esta é uma área que precisa ser desenvolvida. Nossos
colegas na Universidade precisam se reciclar. Há uma tendência
dentro dos departamentos de ciências básicas de olhar aplicações
como um campo menos digno e menos justificado para pessoas que
querem ser grandes cientistas. É possível fazer uma grande
ciência trabalhando em aplicações”, disse.
A biotecnologia hoje é uma
área de vanguarda e deve ser estimulada, mas acima de tudo é
necessário saber como e por que utilizar os códigos genéticos,
lembrou Goldemberg. Para o ex-reitor, a USP já é uma das
melhores universidades do mundo e, embora seja expressiva a
diferença numérica no ranking, provavelmente a
diferença qualitativa entre as melhores colocadas seja mínima,
avaliou.
Ao contrário do que
ocorria no passado, há agora um número considerável de
pesquisadores brasileiros e especialmente na USP que entendem a
ciência como ela é feita hoje, disse. “São cientistas que se
mantêm atualizados a partir da leitura de revistas científicas.
Isso precisa ser aprofundado e só existe um caminho para isso,
que é o mérito, que deve ser definido a partir de critérios
objetivos.”
Cultura e
financiamento – Atual diretor da Fundação Faculdade de
Medicina da USP e reitor da USP entre 1993 e 1997, o professor
Flávio Fava de Moraes destacou, no encontro A USP e as
Universidades de Pesquisa de Classe Mundial, a estratégia de se
constituir fundos que contribuam para o orçamento da USP, a
exemplo do que ocorre nas grandes universidades estrangeiras.
Essa medida, porém, “não está isenta de riscos e não há cultura
para adotar essa estratégia”, lembrou.

Fava: atrair e reter talentos |
Fava de Moraes disse que a
Universidade precisa “aprender a capitalizar suas pesquisas com
parcerias empresariais” e citou o exemplo dos royalties
milionários pagos anualmente a uma universidade norte-americana
pela patente da bebida isotônica Gatorade. Nesse caminho de
capitalização, no entanto, a Universidade não deve esquecer seus
valores e virtudes, ressaltou. Deve combater a má conduta,
evitar e punir fraudes ligadas à invenção, falsificação e
plágio, e fazer frente ao problema da privatização do saber, que
é quando grandes marcas e empresas dominam e norteiam as
pesquisas dentro de uma instituição de ensino e pesquisa.
Para o ex-reitor, a
Universidade deve incrementar parcerias nacionais e
internacionais em âmbito público e privado, precisa encontrar
meios de atrair e reter talentos e deve melhorar o processo
seletivo dos alunos, especialmente na pós-graduação, incluindo
docentes e pessoal técnico-administrativo. Na área biomédica,
Fava de Moraes lembrou que as prioridades de pesquisa devem
focar câncer, saúde mental, geriatria, obesidade, saúde bucal,
poluição, novos fármacos, transplantes, imagenologia
(diagnóstico por imagem), clonagem e diferenciação de novos
órgãos, além das enfermidades emergentes e das negligenciadas.
O modelo Humboldt
– Também no encontro, o professor Antônio Hélio Guerra
Vieira, reitor de 1982 a 1986, apontou o conflito existente
entre o modelo Humboldt – que inspirou as universidades
ocidentais a partir da fundação da Universidade Humboldt, de
Berlim, na Alemanha, em 1810 – e as escolas técnicas
estruturadas no passado.
Para Vieira, “a herança da
tradição Humboldt é uma maldição na USP” porque o formato
engessa a relação de pesquisadores da Universidade com as
empresas. “Professor que não tem seu tempo dedicado
integralmente à Universidade não pode ser relegado ao limbo,
pois há muitos professores que em tempo parcial têm sido muito
mais produtivos que outros que se dedicam exclusivamente. A
relação dos pesquisadores com as empresas pode ser uma grande
contribuição para o desenvolvimento do país”, defendeu. Além da
relação com o setor produtivo, o professor acredita na
interdisciplinaridade como ferramenta ao desenvolvimento que
deve ser fomentada.
Rumo à
internacionalização
Para o professor Adolpho
José Melfi, reitor da USP de 2001 a 2005 – que também fez
palestra durante o encontro A USP e as Universidades de Pesquisa
de Classe Mundial, no IEA –, a internacionalização vai além de
intercâmbios e convênios e deve ser entendida como um processo
de introdução de uma dimensão internacional ou intercultural em
todos os aspectos da educação e da cultura”, disse, citando os
autores Jane Knigth e Hans De Wit.
Na visão de Melfi, os
pontos fracos que a USP deve trabalhar para ser uma universidade
de classe mundial devem focar os processos de transferência de
tecnologia e de conhecimento para os setores privado e estatal,
a promoção do empreendedorismo, a implantação de redes
observacionais públicas nas áreas de geofísica, ciências
atmosféricas e oceânicas, além da participação mais efetiva em
projetos de envergadura internacional.
Melfi sugeriu que a USP
enviasse responsáveis pela graduação, pós-graduação, pesquisa e
extensão para visitas ao exterior, a fim de verificar por que
determinadas instituições são universidades de excelência no
setor de ciências da Terra. Acredita também que a USP deve
estimular e privilegiar a formação de grupos multidisciplinares
e interdisciplinares para o desenvolvimento de pesquisas em
áreas estratégicas, como Amazônia e gestão de recursos hídricos,
por exemplo.
Iniciativa e
militância – A capacidade de iniciativa nas ações que
são próprias da Universidade é uma das premissas para que a USP
possa chegar ao nível de universidade de classe mundial, disse o
professor Jacques Marcovitch, reitor da USP de 1997 a 2001.
“Temos na Universidade uma riqueza decorrente da pluralidade de
pensamento e formação. As humanidades ajudaram a Universidade a
enxergar esse fato. E, graças a alguns estudos e projeções,
sabemos que nos próximos anos continuaremos vivendo em algumas
ilhas de modernização, mas num mar de pobreza, apesar dos
esforços que os governos irão fazer”, disse Marcovitch. “Por
conta disso, a primeira recomendação é como reunir pessoas que
trabalham com questões prospectivas para dar à USP a leitura de
tendências absolutamente previsíveis hoje na área demográfica,
da localização geográfica e suas conseqüências num mundo em
transformação.”
Outra recomendação é criar
no curto prazo um Fórum das Humanidades. “Temos, na USP,
recortes geográficos e recortes de atividades. Mas não temos
recortes por áreas. As humanidades se reuniriam para discutir as
conexões que poderíamos construir entre as áreas de humanas,
garantindo uma formação excelente sem ter que multiplicar o
número de cursos. Trata-se de formar um poliglota cultural, sem
perder a identidade de cada uma das disciplinas”, disse.
Quando a biblioteca
Brasiliana USP estiver completamente concluída, a Universidade
precisará ter a dimensão do papel dessa importante biblioteca
para a instituição como um todo, disse. “Temos aqui a
oportunidade de possuir um dos melhores centros, onde as pessoas
se encontrem e se reúnam para refletir os grandes desafios da
humanidade, a exemplo do que era o antigo formato da Biblioteca
de Alexandria.” Marcovitch defendeu que a internacionalização
não deve se restringir apenas ao corpo docente e discente, mas
se estender também ao quadro técnico-administrativo. Lembrou que
a tradução para o inglês do conteúdo da revista Estudos
Avançados, do IEA, disponibilizado on-line é um exemplo de
internacionalização. |