ISTOÉ – A idéia de criar um Conselho
Comunitário Social, com gente alheia à universidade, não fere sua
autonomia?
Tarso – O conselho não é normativo, é consultivo,
meramente opinativo. Ele ajuda
a ampliar o espectro da democracia na universidade, sem quebrar sua
autonomia.
É a Constituição que assim determina no seu artigo 205.
ISTOÉ – A reforma não acaba
com a meritocracia, ao reservar vagas para estudantes oriundos de
escolas públicas, negros e índios?
Tarso – Políticas afirmativas de inclusão não excluem o
mérito no acesso aos cursos superiores. Ainda existe muito
preconceito. Agora, nas provas do ProUni, a nota média dos alunos de
escolas públicas foi 7 pontos superiores às dos alunos de escolas
privadas.
ISTOÉ – “Necessidade
social” para abrir uma nova escola não é um termo
muito vago?
Tarso – Novas escolas serão abertas quando for demonstrada
sua demanda, as necessidades locais, avaliando a população e o
potencial regional. Vamos adequar a universidade às reais
necessidades do País. Hoje, todos querem escolas no litoral, no Rio
de Janeiro e em São Paulo, centros superpovoados com escritórios de
médicos, engenheiros e advogados, o que acaba criando um mercado
degradado e nivelado por baixo. A necessidade social de outros centros
vai valorizar a universidade e os profissionais que ali forem
formados.
ISTOÉ – Mas a universidade não
deve ser autônoma para definir estas necessidades?
Tarso – A autonomia está expressa, claramente, no artigo
15 da proposta. Só uma leitura preconceituosa vê diferente. Estamos
reforçando as universidades públicas e, ao mesmo tempo, fincando
marcos regulatórios fortes, mas não menos democráticos, para as
universidades privadas, que se subordinam também ao espírito público.
ISTOÉ – Ao dizer isso, o sr.
não está cerceando a universidade?
Tarso – No capítulo dedicado à educação, a Constituição
diz no seu artigo 209 que o ensino é livre. Mas estabelece duas
claras ressalvas: “Atendidas as seguintes condições – I,
cumprimentos das normas gerais da educação nacional; II, autorização
e avaliação de qualidade pelo Poder Público.” A restrição não
é minha, é da Constituição. É justa e democrática.
ISTOÉ – Acusam o governo,
com esta proposta, de “sovietizar” a universidade.
Tarso – É exatamente o contrário. Lá, na Rússia soviética,
o Estado esmagou a sociedade. Aqui, estamos preservando e promovendo o
papel da sociedade na universidade. Dias atrás, num jornal paulista,
apareceu um consultor dizendo que “em Cuba a universidade é coisa séria,
porque lá o Estado é que nomeia o reitor”. E ele ainda acha
bom!... Ele acabou adaptando, pela esquerda, um velho adágio de
Juracy Magalhães: “O que é bom para Cuba é bom para o Brasil.”
ISTOÉ – Os críticos dizem
que a reforma do governo se inspira no Banco Mundial...
Tarso – Essa bobagem vem desde os tempos em que circulava a
proposta do senador Cristovam Buarque (PT-DF) de que uma parcela dos
alunos das escolas públicas pagasse por suas vagas, sugestão que
agradava bastante ao Banco Mundial. Nós arquivamos esta idéia e,
pelo jeito, não perceberam que nosso projeto evoluiu bastante.
ISTOÉ – O que mais irrita os
críticos da reforma?
Tarso – No artigo 28, nós instituímos o PDI (Plano de
Desenvolvimento Institucional), que obriga as escolas superiores a
apresentar seu planejamento estratégico a cada cinco anos. E eles não
querem este controle de qualidade.
ISTOÉ – A Andes, principal
entidade de docentes do País, é contra a reforma.
Tarso – É porque ela é ligada ao PSTU, que faz uma oposição
legítima ao governo Lula e uma oposição irracional à proposta de
reforma universitária. A UNE, a OAB,
a SBPC, a CNI, as centrais sindicais, todas apóiam a idéia da
reforma, com
uma ou outra restrição que faz parte do debate democrático e ajuda
a melhorar a proposta do governo.
ISTOÉ – O filósofo Denis
Rosenfield, da UFRGS, diz que a proposta provoca o desmonte da
universidade.
Tarso – Denis é o Pena Boto da pós-modernidade, o
almirante golpista que tentou evitar a posse de JK em 1956 e fundou a
Cruzada Brasileira Anticomunista. Denis ainda vive na era da guerra
fria e acha que orçamento participativo é coisa de comunista, de
soviético. E, para seu espanto, o candidato que ele apoiou e que nos
derrotou em Porto Alegre, José Fogaça, vai manter o orçamento
participativo e gosta dele. O Denis, em matéria de política, está
para a direita assim como o Sendero Luminoso peruano está para a
esquerda. Só que, como o professor até agora não é violento, ninguém
o leva a sério.
ISTOÉ – O sr. não se
incomoda com tantos ataques?
Tarso – Sou tachado de esquerdista pelos neoliberais e de
direitista pela Andes, que é ultra-radical. Portanto, a reforma deve
ter algo de bom. Ela induz a universidade ao sistema republicano. Ao
contrário do que pensam, ela não se inspira em 1917, mas em 1789. Não
é a Revolução Soviética, é a Revolução Francesa. Com seus
ideais de liberdade, igualdade e fraternidade. É uma proposta de
reforma democrática, não soviética. Só não vê isso quem tem,
ainda hoje, uma visão feudal da sociedade.
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